Artigo | Mira Mestre: O desafio urbanístico de reinventar Paris

Para autora, o valor do projeto não pode ser medido apenas em termos de rentabilidade financeira
30/09/2015
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Por Mira Mestre

Réinventer Paris
é um projeto inédito, ousado, diferente. Foi lançado no Pavillon de l’Arsenal, em novembro de 2014, pela prefeita Anne Hidalgo e pelo sociólogo Jean-Louis Missika, responsável por grandes projetos urbanísticos de Paris. “A inovação da proposta não é somente em termos de novas tecnologias, mas em termos de novas maneiras de construir e de viver a cidade”, declarou Anne Hidalgo, para quem a inovação é fazer melhor – e de forma diferente.

Paris é uma das metrópoles mais densas da Europa em questões demográficas. Tal densidade, combinada à escassez de terrenos, leva a capital francesa a reconsiderar certos setores que antes eram vistos como inadequados para projetos de desenvolvimento urbano, a fim de satisfazer uma demanda importante em termos de habitação.

Desde o início dos anos 2000, a famosa cidade europeia vem adotando uma política ambiciosa em matéria de renovação urbana. Até então, Paris vem mudando, inovando e se adaptando a novas alternativas de desenvolvimento urbano como a construção de moradias populares,  equipamentos públicos e espaços verdes. Nesse contexto, o projeto Réinventer Paris foi apresentado como um concurso destinado a criadores, promotores, investidores, arquitetos, inovadores e artistas do mundo inteiro, com o intuito de remodelar a capital francesa.

O objetivo é propor uma maneira diferente de pensar a Paris do amanhã. Com novas formas de morar, trabalhar e dividir espaços, para que haja um reequilíbrio da utilização da cidade, do espaço público priorizando a circulação de pedestres, por exemplo. Para privilegiar os espaços naturais, permitindo que as pessoas desfrutem plenamente a cidade.

O projeto compreende duas tendências principais. A primeira, com objetivos solidários, abrange projetos com financiamentos participativos de construções de moradias populares para pessoas mais modestas, albergues da juventude e de trabalhadores, além de áreas comuns, disponíveis a todos, gratuitamente. A segunda é de ordem mais elitizada, evocando a “Paris, Cidade Luz”, com seus locais festivos, badalados, conhecidos pela animação, iluminação e vistas. Todos os projetos deverão ter o mesmo propósito: a multiplicidade de usos, conjugando trabalho, lazer, família; vizinhos de todas as idades e classes sociais dividindo espaços 24 horas por dia e 365 dias do ano. Como indica Jean-Louis Missika, “criando prédios e espaços plurais, mutáveis, inteligentes”.

Os principais critérios de seleção dos candidatos são a inovação na forma de dirigir canteiros de obras (incluindo a luta contra o desperdício de materiais); a maneira de projetar edifícios; a utilização de técnicas de construção revolucionárias em matéria de produção, consumo e recuperação de energia; a valorização do desempenho ambiental incorporando materiais ecológicos, com respeito à biodiversidade e ao meio ambiente; e, finalmente, os modos de financiamentos dos projetos. Propõe-se, assim, desenvolver conceitos de economia circular, desenvolvimento sustentável e reciclagem de resíduos.

Foram escolhidos 23 endereços parisienses para serem totalmente reinventados. São 150 mil metros quadrados, espalhados por Paris, num leque variado de espaços: estações de trem desafetadas, edifícios particulares de luxo em bairros chiques, edifícios industriais, terrenos vazios. O lugar mais emblemático é o edifício Morland, antiga sede da prefeitura de Paris. De estilo soviético, com fachada de tijolinhos vermelhos, situado na margem do Rio Sena, no badalado Marais, o prédio tem uma das vistas mais belas da cidade. Sua reestruturação, por exemplo, deverá incluir 5 mil metros quadrados de habitações populares e uma creche.

Anne Hidalgo decidiu acionar a carta da inteligência coletiva, urbanística, tecnológica, social, ecológica e financeira de Paris. “Entregaremos as chaves dos 23 lugares escolhidos aos especialistas de planejamento urbano ou a qualquer outro cidadão ou profissional capaz de propor uma solução inovadora”, explicou a prefeita. Por um lado, os projetos escolhidos devem ser economicamente viáveis. Por outro, as diretrizes governamentais precisam possibilitar que as inovações se concretizem na prática.

A operação despertou muita curiosidade. Reacendeu a atratividade da capital francesa e sua fama de cidade mais bonita do mundo, lembrando o glamour da grande Paris de outros tempos. Mas o projeto suscita polêmica: uns consideram o empreendimento inovador, outros lamentam o número limitado de moradias nas propostas e há, ainda, os que criticam a contradição entre evitar a especulação imobiliária e a venda dos terrenos – que são, na sua maioria, prestigiados e cobiçados. Se Réinventer Paris pretende refletir sobre uma nova visão da capital francesa, o valor do projeto não pode ser medido apenas em termos de rentabilidade econômica, mas, sobretudo, a partir de uma preocupação dos benefícios diretos que o projeto proporcionará aos parisienses e seus visitantes.

Foram pré-selecionados 75 projetos de candidatos diversos, inclusive arquitetos franceses e estrangeiros de prestígio. Em janeiro de 2016 restarão somente 23 candidatos. O resultado será exposto a um júri internacional, composto por especialistas de planejamento urbano e representantes do Executivo municipal. Anne Hidalgo prevê que vários desses projetos sejam realizados até o final de seu mandato, em 2020.

Paris e os 23 lugares escolhidos para o projeto Réinventer Paris
1. Hôtel de Coulanges: edificio de luxo do século XVII (Bairro n° 4)
2. Edificio Morland (antiga prefeitura de Paris) –  (Bairro n° 4)
3. Hôtel particulier (prédio de luxo dos séculos XV-XVII) – (Bairro n° 5)
4. Voltaire (sob-estação eletrica) – (Bairro n° 11)
5. Paris-Rive Gauche (terrano vazio) – (Bairro n° 13)
6. Ancien conservatoire (antigo conservatorio de musica) – (Bairro n° 13)
7. Rue Edison (terreno vazio) – (Bairro n° 13)
8. Avenue de l’Italie (parte externa da rua)  – (Bairro 13)
9. Poterne des Peupliers (terreno vazio) – (Bairro n° 13)
10. Gare Massena (antiga estação de trem) – (Bairro n° 13)
11. Castagnary (banheiros públicos) – (Bairro n° 15)
12. Porte-Maillot-Pershing (prédio-ponte) – (Bairro n° 17)
13. Porte-Maillot-Ternes (prédio-ponte) – (Bairro n° 17)
14. Pitet-Curnonsky (grandes espaços) – (Bairro n° 17)
15. Clichy-Batignolles (tribunal) – (Bairro n° 17)
16. Bessières-Pouchet (habitações e garagem) – (Bairro n° 17)
17. Hôtel particulier gothique (edificio particular gótico) – (Bairro n° 17)
18. Ordener (prédio industrial vazio) – (Bairro n° 18)
19. Triangle Eole-Evangile (estação de trem) – (Bairro n° 19)
20. Ourcq-Jaurès (terreno vazio) – (Bairro n° 19)
21. Buzenval (terreno vazio) – (Bairro n° 20)
22. Gambetta (antiga garagem) – (Bairro n° 20)
23. Piat-Pyrénées (terreno vazio) – (Bairro n° 20)

* Mira Mestre é jornalista graduada pelo Institut Français de Presse, da Université Panthéon – Assas (Paris). É responsável por eventos e comunicação da Association Avarap.