Casa Nadyr de Oliveira: proposições e procedimentos conservativos

por Fabio Di Mauro e Mirza Pellicciotta
29/11/2017
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A Casa Nadyr de Oliveira foi projetada em 1961 por Carlos Barjas Millan (1927-1964), arquiteto que ofereceu contribuições decisivas para a consolidação do caráter da arquitetura moderna paulista. Esta residência, que inclui em seu projeto e construção alguns elementos da vanguarda do pensamento arquitetônico e outros experimentais, integrou a última fase de trabalhos do arquiteto, constituindo-se na atualidade em um dos últimos exemplares inalterados de sua obra.

 

Imersa nas afinidades que Carlos Millan mantinha, então, com as obras de Le Corbusier no período pós-1945, a Casa Nadyr de Oliveira foi idealizada como uma caixa suspensa por oito pilares à semelhança de uma casa-apartamento, apresentando como características: a circulação horizontal organizada em torno de um bloco central composto pela caixa de escada e banheiro; o acesso ao volume suspenso por meio de duas escadas, uma interna de um único lance reto e outra externa, em caracol; a composição da fachada a caracterizar os compartimentos internos de estar, dormitórios e serviços, em claro contraste com as empenas cegas, e a laje plana de cobertura a insinuar o uso de um terraço (que nesta casa acabou não sendo construído).

 

Integrada também às ideias que circulavam entre vários arquitetos do período, de utilizar-se de elementos industrializados e ao mesmo tempo revelar os processos construtivos, a residência experimentou a pré-fabricação de alguns de seus componentes (parte deles no próprio canteiro de obras) e empregou materiais sem acabamento.  Carlos Millan procurou detalhar, em projeto, alguns sistemas que dariam forma à casa: caixilharia, alvenaria, iluminação ou ainda, elementos integrados como a marcenaria, preocupação que o arquiteto trazia desde quando trabalhou com Rino Levi.

                                                                            

Esses ideais e intenções de projeto, entretanto, geraram dificuldades para sua conservação: o concreto aparente, projetado com vigas e pilares exíguos, aqui teve execução precária; a caixilharia de aço, muito exposta à fachada, desenhada com peças de perfis reduzidos, para que pesassem o mínimo na composição; os “encontros” muito justos e secos entre as peças de concreto e os pré-moldados em relação à caixilharia dificultaram as acomodações e ajustes entre esses sistemas construtivos. Todos eles em busca de escapar às soluções da arquitetura tradicional, de soluções pré-estabelecidas. Esta desejada precisão projetual e construtiva exigiria um rigor muito grande no canteiro de obras, num período ainda marcado por processos artesanais.

 

Nesta arquitetura exigente em seus detalhes, as tensões geradas por essas dificuldades redundaram numa série de fragilidades e necessidades conservativas que se agravou quando do afastamento da família de Nadyr de Oliveira, após quase 50 anos de uso.

                                                                             

A preservação da arquitetura moderna cumpre um papel especial na contemporaneidade, e a arquitetura moderna brasileira, reconhecida internacionalmente pela qualidade de suas obras, é merecedora de particular atenção nesse aspecto. Hoje enfrentamos o desafio de implementar estratégias de conservação que atentem para as qualidades estéticas, para o emprego de técnicas construtivas e de materiais históricos ou, ainda, para as especificidades de cada edificação.

 

Conservar a Casa Nadyr de Oliveira consiste, em si mesmo, num universo próprio de elaborações, questionamentos e proposições, razão pela qual, há sete meses, temos atuado no interior da residência para firmá-la como um espaço de estudos, discussões e ações conservativas. 

 

Entre as atividades que temos desenvolvido na residência, merece destaque o curso livre de 42 horas, intitulado “Procedimentos para a Salvaguarda de uma Residência Moderna: Casa Nadyr de Oliveira/arq. Carlos Millan”, que organizamos na primeira quinzena de julho de 2017 com o apoio do Museu de Arte Sacra de São Paulo, da restauradora Vanessa Kraml e da Revista Restauro. Em agosto, a Casa Nadyr de Oliveira integrou a Jornada do Patrimônio 2017. Além de dar acesso à casa a 70 visitantes, partilhamos com eles estudos e proposições conservativas.

 

Em paralelo e com a participação direta dos proprietários, temos conduzido um conjunto de ações de salvaguarda e conservação: limpeza da casa e do jardim do entorno, com a retirada dos muitos objetos deixados pelos moradores; recuperação do movimento das janelas e persianas para permitir novamente a aeração; retirada do jardim da laje de cobertura - a sobrecarga nesta laje excedia em muito o especificado pelo projeto estrutural e a umidade e a ação das raízes vinham danificando a integridade da laje e vigas de borda; recuperação estrutural para preservar o concreto armado de suas várias manifestações patológicas e corrigir os pontos reparados incorretamente no passado. Ao mesmo tempo, temos identificado outras causas de deterioração da construção e estudado as correções possíveis neste momento. Os próximos passos preveem a recuperação da caixilharia de aço com correções minimamente invasivas e a limpeza e recuperação das fachadas e da movelaria integrada.

 

Norteados pelo respeito à integridade da casa em seus elementos de projeto, deparamos, nesta residência, que se encontra à venda, com dois outros desafios, além da preservação do objeto arquitetônico: inseri-la no mercado imobiliário e adequá-la ao morar contemporâneo. Os estudos e discussões realizadas em seu interior vêm indicando a necessidade de criar um anexo que interfira o mínimo possível com a leitura da “caixa suspensa”, assim como de estabelecer um novo fecho frontal com a rua e de introduzir equipamentos modernos na cozinha, entre outros.

                                                                        

A casa nos abriu a possibilidade de executar um trabalho de salvaguarda e conservação crítica fundado num rigoroso, extenso e continuado levantamento histórico-arquitetônico, assim como na identificação de soluções mais pertinentes e menos invasivas de preservação de um testemunho arquitetônico precioso: uma das três obras do arquiteto Carlos Millan que chegaram até nós num estado mais íntegro. Sua raridade vem demandando ações intensas e eficazes. Ela também nos fez compreender que a preservação cuidadosa e as alterações que ainda se farão necessárias em benefício da integridade do patrimônio edificado podem perfeitamente conviver e se aliar na produção de um patrimônio vivo e inserido na contemporaneidade.