Entrevista | Raquel Domingues

Diretora do Burle Marx comenta novos modelos de gestão de parques urbanos
21/07/2016
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Inaugurado em 1º de outubro de 1995, o Parque Burle Marx é o único parque de São Paulo que não recebe recursos da prefeitura. É também o único parque administrado por uma instituição privada, sem fins lucrativos, que busca alcançar a autossuficiência econômica.

Neste modelo pioneiro, o Parque Burle Marx é gerenciado pela Fundação Aron Birmann, como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Raquel Pereira Domingues conhece cada centímetro da área verde de 140 mil metros quadrados, na zona sul da capital paulista, que abriga vestígios da Mata Atlântica e o famoso Jardim do Burle Marx, com seu gramado xadrez de 700 metros quadrados.

Voluntária à frente da diretoria do parque, Raquel é especialista em planejamento e gestão de cidades pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu a monografia Instrumentos de gestão de parques urbanos: o caso do Parque Burle Marx. Depois de sua participação no seminário Novos modelos de gestão de parques urbanos, na FGV Direito Rio, a diretora concedeu esta entrevista ao Arq.Futuro. Confira:

Qual é o modelo de gestão do Parque Burle Marx?
A origem do Parque Burle Marx está vinculada ao processo de urbanização da antiga Chácara Tangará, que abrigou um grande empreendimento imobiliário chamado Projeto Urbanístico Panamby. O parque é constituído por duas áreas verdes, localizadas na gleba do empreendimento, selecionadas pelo seu grau de importância ambiental e cultural. É uma porção de mata atlântica remanescente e inclui o patrimônio cultural representado pelo projeto paisagístico de Roberto Burle Marx. O projeto de implantação do parque foi feito por Rosa Kliass. Há 20 anos o parque é administrado por uma parceria entre a prefeitura e a Fundação Aron Birmann, mas seu custeio é feito 100% com recursos da iniciativa privada. É um modelo pioneiro de gestão – e a fundação foi criada especialmente para esta finalidade. A Fundação Aron Birmann é responsável pela gestão e pelo custeio integral das despesas do Parque Burle Marx. Este foi o primeiro acordo do gênero feito na administração de parques de São Paulo.

Na sua apresentação no seminário na FGV Direito Rio, você criticou como a gestão tradicional costuma ver parques como “custo” para a cidade – e como a gestão moderna deveria vê-los como “valor agregado”.
Pois é. O parque está inserido na cidade e, no caso de São Paulo, o poder público investe pouco no verde. O Parque Burle Marx é importante na composição de áreas verdes da cidade, pois contribui para a melhoria da qualidade do ar, redução da poluição sonora, preservação da fauna e da flora. Ainda assim, parque é visto como um custo, uma despesa – e não como algo importante para o desenho urbano, com valor agregado, cultural, artístico, ambiental. Atualmente, 72% dos custos do Burle Marx são autofinanciados, quer dizer, o parque se paga. Mas se pensarmos em exemplos no exterior, veja o Central Park. É um lugar incrível e economicamente viável, autossuficiente financeiramente, ou seja, não há recursos públicos investidos diretamente em sua manutenção. Em uma visita a Nova York, vi um cartaz que dizia: “Os parques são joias da cidade”. Era da Fundação Tiffany, a joalheria, que apoia a causa. No Brasil, infelizmente, ainda não é assim.

Qual a relação entre o parque e a comunidade?
Estamos a menos de um quilômetro de Paraisópolis, uma das maiores favelas da cidade. O parque é frequentado por diversas comunidades: o pessoal de Paraisópolis vem muito no fim de semana; quem caminha vem de manhã; estudantes de diversas escolas vêm à tarde. Recentemente foi inaugurada a ponte Laguna. O projeto inicial comprometia o parque, e iria invadir a área do estacionamento. Nós procuramos associações de moradores para conversar sobre o projeto e pressionar por mudanças. Felizmente, deu resultado: o projeto melhorou muito e resultou na primeira ponte da cidade construída já com uma ciclovia, que conectará o Parque Burle Marx ao Villa-Lobos, assim que as alças cicloviárias forem entregues pela SPObras. Foi uma conquista importante para o parque, para o bairro e para a cidade.