No mundo digital, escritórios importam mais do que nunca

12/04/2016
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Com Matthew Claudel

“A distância vai morrer…” previu o economista britânico Frances Cairncross, junto com teóricos sociais e mediáticos que seguiram a expansão da Internet nos anos 1990. Quando qualquer lugar é conectado instantaneamente a qualquer outro no planeta, indagavam-se eles, o espaço então poderia virar algo irrelevante. A essa altura, não precisaríamos mais de escritórios: afinal, por que ir para o trabalho quando o trabalho pode vir até você?

A previsão do professor americano Melvin Webber parecia iminente: “Pela primeira vez na história, torna-se possível viver no topo de uma montanha e ainda assim manter a intimidade, o tempo real e um contato realista com nossos negócios e associados”. (Webber M.M., “Urbanization and Communications”, in Gerbner G., L.P. Gross and W.H. Melody, Communications Technology and Social Policy, New York, NY: John Willey & Sons, p. 301). A conexão instantânea com qualquer pessoa no planeta – mesmo aquela que se encontra isolada no topo do Monte Everest – poderia transformar os escritórios tradicionais em estruturas bem obsoletas.

Mas a História traçou um caminho bem diferente. Hoje a tecnologia nos permite utilizar comunicações globais e instantâneas, porém muitos de nós ainda trocamos informação indo ao escritório todo dia. Telecomunicação a partir das nossas casas (ok, deixemos quieto o Monte Everest!) ainda não pegou tanto, ao contrário do que muitos pensam. Enquanto isso, diversas corporações estão investindo significantemente em novos e modernos espaços de escritório, localizados no coração de áreas urbanas.

O que os primeiros comentaristas da era digital não captaram é que, mesmo se nós podemos trabalhar de qualquer parte, isso não significa que seja, de fato, o que queremos fazer. Nós ainda batalhamos lugares que nos permitam compartilhar conhecimento, gerar ideias, reunir talentos, abrir perspectivas. A agregação humana, a fricção e a interação das nossas mentes são aspectos vitais, especialmente para indústrias criativas. E eis por que a qualidade física do lugar de trabalho está se transformando em algo mais crucial do que nunca --  trazendo consigo um manancial de mudanças.

Já testemunhamos a transição daquele labirinto de cubículos típicos da metade do século passado, ridicularizado no filme Play Time, do cineasta Jacques Tati, em direção a espaços de trabalho mais sociáveis, flexíveis, abertos e dinâmicos. Mais recentemente, o espaço de trabalho compartilhado, também conhecido como co-working, ganhou tração ao revitalizar as possibilidades da convivência no espaço comum de uma comunidade de ideias, gente que pensa parecido. Como naqueles tradicionais gabinetes de universidades – de onde saíram as descobertas da turma de Oxbridge, que mudariam o mundo – os espaços de hoje são abertos para diferentes disciplinas e podem vibrantemente promover interação e irradiação de ideias.

Empresas inovadoras, como a WeWork nos Estados Unidos, oferecem escritórios “onde e quando nós precisamos deles”, dando aos profissionais a oportunidade de tomar parte de uma rede profissional seleta, além de compartilhar ferramentas físicas e intelectuais. Essas empresas também colocam na mesa um argumento financeiro muito sólido (e já bem visível, até pela avaliação bilionária da WeWork hoje): elas podem maximizar lucros por m2 trocando um grande inquilino por muitos inquilinos menores. E, recuperando uma analogia do setor bancário, descobriram que é possível fazer dinheiro alugando o espaço por longo tempo, para arrendar por curto tempo.

Como se esforçam para impulsionar a criatividade, os provedores de espaços co-working estão sempre experimentando coisas novas e ao mesmo tempo quantificando as interações humanas. E aí reside sua maior influência sobre como os escritórios finalmente terão de ser desenhados. Compreender como a força de trabalho se conecta a um ambiente mais flexível é crucial para o desenho e a operacionalidade da próxima geração de escritórios. Novas ferramentas digitais estão emergindo para medir as conexões humanas e como elas se relacionam com produtividade e criatividade. Dados analíticos em tempo real, em prédios digitalmente integrados, são só o começo: pode-se finalmente criar lugares de trabalho que respondam múltiplas demandas e evoluam sobre si mesmos.

Através dos tempos, os prédios foram ficando rígidos e intransigentes, mais parecidos com um espartilho do que com uma camiseta. Com dados mais precisos sobre sua ocupação, nós poderíamos construir um meio-ambiente que se adapte aos humanos, e não o inverso. Imagine quartos que automaticamente vão para o modo stand-by e economizem energia quando estão vazios, como já acontece na área de escritórios da Fundação Agnelli, em Turim. De modo geral, os prédios podem operar como sistemas dinâmicos que trabalham e vivem em concerto com os humanos.

Transformação do ambiente de trabalho é apenas e tão somente o começo desse longo processo, mas deveria ter grande impacto sobre arquitetos, empreendedores, corporações e sociedade nos anos que virão. Muito longe de construir escritórios obsoletos -- como confiantemente previram os pioneiros digitais dos anos 1990 – a tecnologia transformará e revitalizará o espaço de trabalho. Nós poderíamos desde já operar de um modo mais sociável e produtivo, e não nos isolarmos no topo de uma montanha. A ameaçadora “morte da distância” poderá ser revertida pelo “nascimento da nova proximidade”.

* Carlo Ratti dirige o Senseable City Lab do MIT e o escritório de design Carlo Ratti Associati. É membro do Conselho Global sobre Cidades do Futuro, do Fórum Econômico Mundial.
Matthew Claudel é pesquisador do MIT Senseable City Lab.