Promovendo uma cidade melhor

Casa Vogue | 16 de outubro, 2018
16/10/2018
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Na primeira coluna do Arq. Futuro no portal da Casa Vogue, analisamos os prós e contras dos novos padrões urbanísticos da Vila Olímpia, em São Paulo

 

Em 2017, o escritório do Arq.Futuro mudou-se para a Vila Olímpia, área de São Paulo que sofreu muitas transformações nos últimos 20 anos. São mudanças que foram instituídas pela Operação Urbana Consorciada Faria Lima, que procurou adequar novos projetos às diretrizes dos Planos Diretores Estratégicos de São Paulo, seguindo determinações do Estatuto da Cidade. Nos instalamos especificamente em um conjunto assinado pelo escritório Aflalo/Gasperini, o FL 4300, cujo projeto não apenas segue as diretrizes legais, mas também se alinha com os preceitos do urbanismo contemporâneo.

 

A vivência neste bem-sucedido projeto arquitetônico e urbanístico, nos proporcionou uma excelente oportunidade para avaliar a efetividade desses novos instrumentos e o impacto deles sobre a qualidade do espaço urbano e a dinâmica imobiliária da região. Uma experiência que ampliou nosso entendimento sobre a construção da cidade e nos mostrou onde estão as rupturas entre as boas intenções teóricas e sua aplicação prática.

 

Listamos algumas delas abaixo, a fim de analisar os prós e contras de algumas das principais regras urbanísticas:

 

Fruição pública

 

 

Um primeiro exemplo são os espaços dedicados à chamada “fruição pública”.  Segundo a atual legislação, as áreas destinadas a ela são os térreos dos prédios, que devem ser mantidos abertos para a circulação e permanência das pessoas. A ideia é criar espaços de uso público ao longo das vias, tornando a cidade mais acolhedora. O Plano Diretor dá incentivos para que, nos lotes que têm frente para mais de uma rua, haja passagens para que os pedestres possam atravessar a quadra por dentro da área privada. O projeto de edifício que deixa uma área de fruição pública terá significativo desconto.

 

Na Vila Olímpia, a maioria dos novos projetos tem essa área. O que varia é a qualidade. Muitos dos empreendimentos sinalizam mal ou até mesmo fecham as passagens em determinados horários; em outros, as áreas não têm bancos nem locais à sombra para descanso. São, no máximo, áreas de passagem, mas oferecem escassas possibilidades de verdadeira fruição.

 

Permeabilidade Visual

 

 

Já a permeabilidade visual do térreo dos prédios, outra característica incentivada pelo Plano Diretor vem sendo crescentemente adotada. Assim, a ausência de muros e grades que bloqueiem a visão de quem passa pela rua tem sido cada vez maior. O resultado é claro: trechos de calçadas em que se pode ver área interna dos edifícios são muito mais agradáveis do que os demais. Alguns prédios não conseguiram eliminar totalmente os muros, substituindo-os por panos de vidro. Não é o ideal, mas já significa um passo na direção da aproximação com o público.

 

Recuo Frontal

 

 

Outros pontos desejáveis do urbanismo contemporâneo parecem ser aplicados de forma tímida no bairro. O recuo frontal, ou seja, a distância entre os edifícios e calçada, que hoje vem sendo questionado pelo urbanismo, é ainda preponderante nos novos projetos da Vila Olímpia. O “problema” é que ele impede fachada ativa, nome que se dá para os estabelecimentos que se abrem diretamente para as calçadas.

 

Os novos projetos podem até permitir alguma atividade comercial em seu térreo, mas estão sempre recuadas, longe das calçadas. As fachadas ativas limitam-se, em maioria, às pequenas casas remanescentes no bairro, convertidas em restaurantes, que dão apoio às pessoas que trabalham nas proximidades - o que nos conduz a outro dado fundamental no perfil do bairro: a Vila Olímpia é hoje quase monofuncional, com muitos prédios de escritório e poucos moradores.

 

Função do espaço

 

 

A concentração apenas por meio de prédios corporativos, como o que vem ocorrendo no bairro, tende a sobrecarregar a infraestrutura de transporte. Muitas ruas ficam desertas à noite. Se, além dos escritórios, houvesse mais moradores, comércio e serviços, o movimento garantiria ruas mais povoadas e seguras.

 

Os imóveis residenciais oferecidos são, na maioria, apartamentos de grande metragem ocupados por poucas pessoas. Ampliar a oferta de imóveis habitacionais e diversificá-la para abranger também apartamentos menores ajudaria a reequilibrar a taxa de emprego por habitante.

 

Seria também muito importante que o zoneamento de São Paulo fosse mais incisivo na inclusão de moradias para pessoas de renda mais baixa nos bairros de classe média e alta, por meio de mecanismos como o aluguel social ou da cota de solidariedade, por exemplo. Combater a segregação socioespacial é imprescindível para tornar a sociedade mais justa e eficiente.

 

Circulação de pedestres

 

 

 

O trânsito de pedestres no bairro é ainda difícil. Chama a atenção a variação na largura, qualidade e manutenção das calçadas na Vila Olímpia: em geral, os edifícios novos têm calçadas amplas e com pavimento bem cuidado, sobretudo nas faces que têm maior visibilidade; as calçadas dos imóveis mais antigos, por outro lado, tendem a ser péssimas. Estreitas, com pavimento quebrado, são ainda obstruídas por postes, árvores, pontos de ônibus e lixeiras.

 

Contudo, as piores calçadas são, sem dúvida, as das casas que foram compradas por incorporadoras para a edificação futura de prédios. É evidente o descaso com que tais empresas têm tratado os trechos de espaço público sob sua responsabilidade. Não apenas deixam as calçadas sem manutenção, mas ainda contribuem para que se tornem intransitáveis, executando obras que as bloqueiam sem deixar uma alternativa segura de circulação.

 

Vias para carros

 

 

Com calçadas estreitas e insuficientes para o tráfego de pedestres, as vias que cortam as principais avenidas do bairro ainda destinam grande espaço às faixas de rolagem, por onde os carros circulam ou estacionam gratuitamente.  Essas vagas são uma característica comum nas cidades brasileiras, com a qual nos acostumamos a ponto de nem questionar a sua existência. No entanto, as ruas, que incluem tanto as calçadas quanto as faixas para carros, são o espaço público mais importante das cidades, cobrindo um terço de sua área.

 

Em bairros valorizados, cada metro quadrado de terreno vale dezenas ou centenas de milhares de reais. É uma distorção que carros particulares tenham prioridade no uso do espaço público em detrimento dos pedestres, dos ciclistas, da arborização e dos espaços de fruição.

 

Destinar toda essa área à função de estacionamento é um enorme desperdício de um bem valioso e escasso. Em vez de vagas para carros, poderíamos ter calçadas largas, arborizadas, com ampla área de circulação, espaços para sentar ou para instalação de food trucks. Usos que valorizam o espaço público, incentivam a convivência e fazem bem para a cidade.

 

A experiência na Vila Olímpia mostrou que há muitas razões para otimismo em relação à aplicação dos novos instrumentos urbanísticos pelo mercado; ao mesmo tempo, constatamos que nem sempre eles surtem o efeito desejado ou são aplicados de forma correta e completa. A participação de todos os que estudam e vivem a cidade é essencial para ajustar planos e diretrizes teóricas à realidade cotidiana de todos nós.

 

Neste artigo, falamos sobre a chamada cidade formal, aquela que é construída segundo as regras urbanísticas. O outro lado da moeda é a cidade informal, aquela que é construída à margem das leis e regras. Por não conseguirem obedecer a algumas das regras, um percentual de 76% das moradias acaba sendo construído em circunstância de irregularidade. Esse será o assunto do próximo artigo do Arq.Futuro para a Casa Vogue.

 

Artigo publicado originalmente na coluna do Arq.Futuro no portal da Casa Vogue.