Reciclar a cidade

02/05/2018
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Foto Javam Alves/ Fotos Públicas Foto Javam Alves/ Fotos Públicas Foto Corpo de Bombeiros de São Paulo/ Fotos Públicas Foto Corpo de Bombeiros de São Paulo/ Fotos Públicas

Expandir a cidade é bom para a economia e a sociedade. É bom também para os políticos e para as empreiteiras. Este é o sonho da modernidade brasileira fomentado por Juscelino Kubitschek, projetado por arquitetos e engenheiros, desenvolvido pela ditadura militar e continuado na redemocratização, pela direita e pela esquerda. Consumir natureza com metrópoles de conurbação incontrolável, dominadas por periferias favelizadas, cujas demandas por dignidade nunca serão atendidas, é o modelo urbano brasileiro há 60 anos.

 

É o “mecanismo” que tem definido a paisagem urbana caótica que impera do Oiapoque ao Chuí. Contudo, de vez em quando algo colapsa e vislumbramos por alguns minutos a insustentável realidade deste nosso modus operandi. Até retornarmos ao cotidiano de segregação, violência, corrupção e lamentação de "por que é assim?”.

 

O desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida no Centro de São Paulo é externalidade com vítimas do abandono das centralidades urbanas diante da contínua expansão territorial.

 

Projeto do arquiteto sírio-brasileiro Roger Zmekhol (1928-1976) feito em 1961 para sede da Companhia Brasileira de Vidro, utilizava-se do curtain wall, a pele de vidro, como inovação estética para cobrir os 24 andares de escritório e 14 mil metros quadrados, valendo-se dos artifícios do Estilo Internacional para destacar-se na paisagem paulistana. Propriedade da União, vazio desde 2001, foi a leilão em 2015, avaliado em R$ 21,5 milhões. Ninguém se interessou dado o alto custo da reforma estimada em cerca de R$ 40 milhões.

 

Estava ocupado por cerca de 150 famílias guiadas pelos movimentos pela moradia que precisarão a partir de agora ser mais responsáveis nas suas táticas de ocupação, correndo o risco de levar pessoas à morte. Felizmente grande maioria escapou do incêndio.

 

Não há um centavo ou política pública para a reabilitação dos centros históricos no Brasil. Não há política habitacional. Propriedade pública é mal gerida e não pode ser vendida abaixo de valor de mercado correndo o risco de o gestor ser acusado de depreciação. O governo federal não enxerga o assunto. Prefeituras vacilam no tema.

 

Para evitar que o Edifício A Noite, na Praça Mauá, ou o prédio invadido do INSS, na Avenida Venezuela, ambos no Rio, sejam os próximos a cair, é necessário que:

 

1 - Propriedades federais e estaduais obedeçam ao regramento municipal;

2 - Bens públicos nas regiões centrais vão a leilão por um real e para fins de moradia acessível. Devem priorizar o interesse público, não a capitalização;

3 - Haja crédito, produtos financeiros, fomento e subsídio para o retrofit e/ou reabilitação de imóveis nas áreas centrais; isso é fundamental. É responsabilidade dos ministérios das Cidades e da Cultura, do IPHAN, do BNDES, da CEF e dos bancos privados;

4 - A utilização compulsória e o IPTU progressivo sejam a regra para os centros urbanos;

5 - Prédios de escritórios tenham legislação que facilite a integralização da propriedade, fragmentada em inúmeras salas comerciais.

 

É urgente reciclar a cidade brasileira antes que ela vire escombros. Com vítimas.

 

Artigo publicado originalmente na coluna do Washington Fajardo no jornal O Globo.