Resenha | Livro 'A Metrópole de São Paulo no Século XXI'

Por Carolina Toledo
26/10/2015
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Nas últimas décadas, a região metropolitana de São Paulo vivenciou um processo contraditório de transformação urbana e social. Ao mesmo tempo em que houve uma queda significativa dos índices de desigualdade, criando bolsões de diversidade nos bairros de periferia, algumas áreas se tornaram mais elitistas e isoladas. Essa é uma das conclusões centrais do recente trabalho de Eduardo Marques, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.

Marques organiza o livro A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades, lançado pela Editoria Unesp em junho de 2015, que reúne 13 artigos do time de pesquisadores e estudantes do CEM. Os textos que compõe o livro apontam para algumas mudanças no perfil dos moradores da cidade, com o crescimento da mobilidade social e de uma classe média mais diversa do ponto de vista racial. Houve também o aumento da coexistência e coabitação entre grupos de diferentes níveis sociais, sobretudo com a popularização do centro. Os artigos tratam ainda dos obstáculos dos programas de moradia social em São Paulo e do surgimento de empreendimentos entre muros em bairros pobres, que tiveram o efeito de replicar os mesmos padrões de isolamento das áreas mais ricas.

"A comparação dos dados dos Censos de 2000 e de 2010 indicam uma metrópole menos desigual em termos sociais, econômicos e espaciais. A desigualdade de renda apresentou melhora e a pobreza reduziu. Os padrões de macrossegregação, entretanto, permaneceram quase inalterados. Se os espaços periféricos são hoje ainda mais heterogêneos, os espaços elitizados se tornaram ainda mais exclusivos", disse o pesquisador em entrevista ao Arq.Futuro.

A publicação, que será traduzida em inglês pela Routledge em março de 2016, é parte de um esforço internacional de pesquisa sobre governança em grandes cidades, que incluem equipes em Paris, Londres, Cidade do México e Milão. "Estudos em várias cidades do mundo já demonstraram que os efeitos dos macroprocessos econômicos em cada país e cidade dependeram da localização dessas cidades nos fluxos globais, das estratégias políticas e econômicas das elites nacionais e locais, da regulamentação urbana existente em cada caso e de diversos elementos societais (estrutura das famílias, sensação de pertencimento a locais específicos das cidades etc). Se o surgimento de um grupo de super-ricos e espaços para seu consumo (com efeito sobre o mercado de terras) estão presentes em vários lugares, muitos estudos têm demonstrado que não chegou a ocorrer polarização ocupacional e espacial. Os resultados de São Paulo vão nessa mesma direção. Os espaços da elite ficaram mais exclusivos, mas as periferias, mais heterogêneas. Nas estruturas de renda e ocupações, ocorreu uma piora durante a década de 1990, mas forte recuperação nos anos 2000".

Em São Paulo, a grande transformação se deu nas regiões mais afastadas do centro. "De fato, a periferia se tornou ainda mais heterogênea, como produto de três processos combinados: uma certa mobilidade social de baixa amplitude e de acesso a serviços em espaços periféricos; uma produção do mercado formal mais dispersa territorialmente (orientada para classe média-baixa) e alcançando periferias consolidadas; e a presença mais forte de condomínios fechados nessas regiões. A tendência à evitação social é óbvia no caso dos condomínios, mas está presente na distribuição geral dos grupos sociais uns em relação aos outros no conjunto da metrópole", explica Marques.

A respeito dos avanços na área de moradia, o estudo indica que os assentamos precários na região metropolitana caíram de 15% para 14,5% entre 2000 e 2010. A análise sugere um impacto maior sobre o déficit habitacional nas faixas de renda mais elevadas e uma inabilidade dos programas de habitação em atender as pressões por moradia das populações mais carentes. "Como o livro analisa tendências entre 1990 e 2010, não podemos falar muito sobre o impacto da produção pública, visto que pouquíssimo se fez no período. A produção do Minha Casa Minha Vida – algo como 125 mil unidades na região metropolitana de São Paulo – é em grande parte posterior ao último censo. Nossa análise da localização dessas unidades sugere um padrão periférico, mas em níveis inferiores ao da produção pública anterior".

Sobre a contínua escassez de novos empreendimentos habitacionais no centro de São Paulo (que desde 1990 não ultrapassaram 6 mil unidades) e os entraves para o sucesso de programas como o Casa Paulista, Marques identifica a estrutura fundiária da região e os conflitos de titularidade como motivadores da estagnação. "Mas o principal problema é mesmo o preço da terra, que torna localizações centrais em São Paulo muito caras para a produção pública", afirma.

No período analisado, o trabalho de Eduardo Marques e da equipe do CEM aponta, em geral, para uma evolução das condições de vida de parte da população paulistana. Contudo, com a reversão do cenário econômico, o aumento dos índices de desemprego e a instabilidade política do país, esses avanços agora se encontram severamente ameaçados. "É difícil prever mas, se a crise se acentuar e se tiver efeito duradouro, uma parte de melhora social que tivemos na última década pode ser revertida", analisa o pesquisador.

LANÇAMENTO
A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades, organizado por Eduardo Marques (Editora Unesp, 2015).