Silvio Barros | O fator jurídico na questão das mudanças climáticas

Adaptações à sustentabilidade ambiental precisam ser agregadas ao contexto legislativo
07/12/2015
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2015 está marcado no calendário da sustentabilidade como um dos anos mais importantes, considerando a publicação da encíclica Laudato Si pelo Vaticano, posteriormente pela apresentação na Assembleia das Nações Unidas dos novos objetivos globais para 2030 com o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, finalmente, com a COP21 em Paris, onde os acordos internacionais pela redução dos impactos ambientais que provocam as mudanças climáticas.

Pois bem. Partindo do princípio que tudo isso é coisa séria, que as mudanças climáticas são para valer e que fenômenos extremos que temos assistido ao redor do planeta são parte desse processo, então, muito além das medidas mitigadoras, deveríamos nos preparar para as adaptações imprescindíveis à nossa própria sobrevivência.

Muitos estudos estão sendo realizados por técnicos das mais diversas especialidades para buscar soluções de engenharia, mudança de hábitos, nova cultura de consumo e outras coisas mais. No entanto, tenho sentido falta de uma ação mais fundamentada e consciente das providências que precisamos tomar no âmbito jurídico para que os demais esforços e recursos não sejam desperdiçados.

Vejamos um exemplo bem oportuno. Assistimos na TV ao drama de milhares de famílias brasileiras desalojadas, que perderam tudo o que tinham nas enchentes que atingiram diversas regiões do país. Muitas dessas catástrofes estão relacionadas com o El Niño, que parece ser um dos mais extremos desde que o fenômeno é acompanhado pelos meteorologistas.

Ouvimos os pronunciamentos das autoridades decretando calamidade e citando recursos para a reconstrução. Acontece que não podemos fazer de conta que desconhecemos o relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, afinal, cientistas mundialmente reconhecidos estudaram a situação do país e afirmam que vamos enfrentar mudanças nos padrões de precipitação de chuvas nos próximos anos. Os momentos de secas e de enchentes serão mais intensos e mais frequentes, a bacia do Rio Paraná deverá ter um aumento de nível que pode chegar a 40% e, na bacia do Prata, a cerca de 10%. Teremos que reconstruir, sim, mas precisaremos nos adaptar a um novo padrão, provavelmente reconstruindo em outro lugar — caso contrário, as cenas se repetirão e as mesmas famílias sofrerão novas perdas.

Durante a COP21, o Ministério do Meio Ambiente propôs um debate na Embaixada Brasileira em Paris com o tema: "quão distantes estão os esforços pela mitigação e adaptação às mudanças climáticas do conhecimento científico". Sem dúvida, uma discussão necessária e oportuna.

É nossa responsabilidade encontrar a solução correta, enquanto setor público, setor acadêmico e a própria comunidade. Entretanto, precisamos contar não só com engenheiros, urbanistas e planejadores: o Ministério Público e o Judiciário deverão respaldar as decisões, ou mesmo exigir que essa reconstrução seja feita com segurança. Em muitos casos, isso pode contrariar a vontade ou o apego das pessoas com as propriedades que os abrigaram durante muitos anos e de onde não desejam se afastar, embora a transferência de local deva ser a medida correta. Mudá-los de local já será difícil, mas ainda mais complicado será obter rapidamente a autorização para a demolição das residências existentes e a ocupação do espaço com algum tipo de equipamento público menos vulnerável a enchentes e que impeça novas invasões da área mantendo a situação de risco para eventuais moradores.

Estamos falando de uma mudança de paradigma na questão. Precisamos enxergar o direito à propriedade de uma forma diferente. Adaptações às mudanças climáticas e à sustentabilidade ambiental precisam ser agregadas ao contexto jurídico e legislativo. Da mesma forma, a remoção de famílias que vivem em encostas e áreas de risco precisa ser objeto de um pacto de toda a sociedade, e não simplesmente cobrar do poder público soluções emergenciais para atender as vítimas das calamidades. É preciso que magistrados e promotores se engajem num somatório de esforços onde todos trabalhem a favor de uma solução — e não uns contra os outros. Mais do que emoção e solidariedade, as consequências das mudanças climáticas exigirão dois elementos: competência e atitude.