Um país que ainda depende de São Pedro

Por Isadora Araujo
27/07/2015
Compartilhar:

A crise hídrica no estado de São Paulo pode parecer controlada, mas ainda não foi solucionada. Essa foi a principal mensagem deixada pelos participantes do Workshop de Saneamento Básico: soluções para a crise hídrica do Estado de São Paulo organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) no dia 22 de julho. Temas como a gestão integrada de recursos hídricos, o uso de tecnologias inovadoras e o reajuste da tarifa de consumo de água se destacaram nas falas de Alceu Guérios Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental de São Paulo (Abes), Newton de Lima Azevedo, um dos governadores do Conselho Mundial de Água, e Jerson Kelman, presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). 

 

Entre as principais soluções para a crise discutidas no workshop destacou-se a necessidade de melhor planejamento e gestão para que contextos de escassez de chuvas não resultem em crises de abastecimento. Segundo Newton Azevedo, “um país como o nosso não pode ser tão dependente de São Pedro.” Um aspecto essencial da melhor gestão dos recursos, nesse caso, seria a gestão integrada, conectando não só diferentes setores de política — por exemplo, saneamento, habitação e meio ambiente — como superando limites municipais e regionais. Para Alceu Bittencourt, a gestão de recursos hídricos “nunca se efetivou realmente como uma gestão integrada”, o que dificulta a produção, manutenção e uso adequado desses recursos. 

 

Enquanto a necessidade de melhor gestão foi ponto relativamente consensual, o reajuste da tarifa de consumo de água foi foco de maior tensão. Em maio deste ano a Sabesp havia proposto um reajuste médio de 15,24% da conta de água, em virtude do aumento de custos de energia elétrica e outras questões de mercado. O aumento contemplava 7,78% do reajuste anual previsto. Em resposta, a FIESP entrou com uma liminar no dia 12 de junho contra a Sabesp e a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) com o objetivo de reverter o aumento. A Federação das Indústrias do Estado também questionava o argumento da Sabesp de que a crise era uma excepcionalidade e não podia ter sido prevista. Embora a liminar tenha sido indeferida no dia 25 de junho pelo juiz Claudio Campos da Silva da 8ª Vara da Fazenda Pública, a ação ainda tramita na Justiça. Durante o workshop, Jerson Kelman, presidente da Sabesp, disse esperar que a liminar da FIESP “não resulte em nada” e afirmou que se se sentia “encabulado” com o questionamento da FIESP acerca da excepcionalidade da seca. 

 

Segundo Kelman, a escassez de chuvas tinha “baixíssima probabilidade de ocorrência. Essa seca não era previsível.” Respondendo em nome da FIESP, Nádia Paterno, diretora da divisão de saneamento básico do Departamento de Infraestrutura do órgão, disse ter havido diversos relatórios em anos passados que alertavam para a necessidade de obras de expansão da produção de água no estado de São Paulo, as quais não foram realizadas. Apesar das divergências, tanto Kelman como Paterno enfatizaram a necessidade de que a metodologia tarifária seja revista para respeitar diferentes usos da água. Kelman relatou que a Sabesp tem trabalhado na elaboração de uma nova metodologia a pedido da Arsesp.

 

Desde a dimensão política que envolve a gestão e a integração regional até dimensões mais técnicas que incluem, por exemplo, a implementação de novas tecnologias de reúso e aproveitamento da água da chuva, a crise hídrica que afeta não só São Paulo como outras partes do país tem colocado o tema da água cada vez mais em voga no cenário nacional. Em 2018, com a realização do Fórum Mundial da Água em Brasília, esses debates se estenderão ao cenário internacional. O Fórum é realizado a cada três anos e reúne líderes e especialistas do mundo todo. O último Fórum, realizado na Coréia do Sul, contou com mais de 30 mil participantes de cerca de 168 países. 

 

O tema do Fórum Mundial da Água de 2018 será “Compartilhando água”. O objetivo é enfatizar a necessidade de pensar a água como um bem que transcende fronteiras e requer a colaboração e coordenação entre atores de diversos países. Em preparação para o Fórum, a sessão brasileira do Conselho Mundial da Água está organizando o Programa “Rumo a Brasília 2018”, o qual inclui uma série de discussões em diferentes cidades — Belém, Salvador, São Paulo, Santiago e Buenos Aires, por exemplo — ressaltando o uso da água em contextos diversos. Os eventos contarão com espaços lúdicos, chamados “Fun Water”, que instigarão a sociedade a interagir com a água de novas maneiras.

 

Newton Azevedo ressaltou que o Fórum de 2018 será o primeiro realizado em um país do hemisfério sul. Segundo ele, será um momento de posicionamento dos países sul-americanos e latino-americanos, regiões em que grandes parcelas da população não têm tratamento de esgoto ou saneamento adequado. Parodiando a música de Milton Nascimento, Newton afirmou que o “Conselho [Mundial da Água] tem que ir aonde o povo precisa.”