Carlo Ratti | Desenhando o futuro

Novas tecnologias para o supermercado do futuro
18/08/2015
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Desenhando o futuro Desenhando o futuro

Quando a Expo Milano nos pediu para trabalhar no "Future Food District", aceitamos o desafio com entusiasmo, mas também nos vimos em uma espécie de dilema. Nunca nos interessamos de verdade por profecias a respeito do futuro. Tentar antever a vida dentro de alguns anos é sempre um exercício fútil que nos distrai do aqui e agora sem nos ajudar a entender melhor o amanhã.

 

Hoje não podemos deixar de sorrir ao pensar sobre os carros voadores e as calçadas de movimento autônomo imaginadas por Thomas Anderson em 1900 em sua representação da vida nas metrópoles no final do século 20, ou as pílulas de alimentação liofilizadas que os cientistas desejavam algumas décadas atrás (o tema da Expo, Alimentando o Planeta, Energia para a Vida nos lembra de quão diferente é nossa relação com a nutrição hoje). Previsões falhas sobre o futuro são tão numerosas e pitorescas que, em alguns casos, compõem uma narrativa irônica: o paleofuturismo.

 

Ao trabalhar com a Expo, então, nossa questão se tornou: como podemos confrontar esse Future Food District sem cair na mesma linha de futuros abortados? Herbert Simon escreveu uma vez que "as ciências naturais estão preocupadas com a forma como as coisas são. O design, por outro lado, se preocupa com a forma como as coisas deveriam ser, elaborando artefatos para atingir determinados objetivos". Nessa definição sobre o design podemos detectar uma relação diferente com o futuro. Não se trata de uma busca contínua por "pre-visões", mas uma oportunidade de experimentar e acelerar as transformações do presente. O grande inventor americano Buckminster Fuller chamou essa abordagem de "design antecipatório", com base na "solução de problemas ao introduzir novos artefatos ao ambiente".

 

Foi a partir dessa perspectiva que abordamos o design do Future Food District, revelado em maio durante a inauguração da Expo Milano 2015. Em parceria com a Coop, principal rede de distribuição de alimentos da Itália, quisemos explorar novas formas de interação entre pessoas e produtos dentro de um supermercado real. Estamos interessados particularmente no mundo da informação: a enorme quantidade de dados, chamada Big Data, que está disponível hoje para nós, quando disseminada de forma apropriada, pode desencadear padrões novos e mais bem informados de consumo.

 

Em nosso projetos, nos inspiramos na obra Palomar, de Italo Calvino. O personagem, imerso em uma fromagerie parisiense, sente como se estivesse dentro de um museu: "Por trás de cada queijo há um pasto de um verde distinto sob um céu distinto [...]. Esta loja é um museu: o senhor Palomar ao visitá-la sente, como no Louvre, em cada objeto exposto, a presença da civilização que lhe deu forma e dele toma forma". Como ponto de partida, tentamos usar novas tecnologias para dar uma voz aos produtos, permitindo que eles contassem sua história e, em última análise, que estimulassem padrões mais bem informados de consumo. Os produtos não são expostos em prateleiras, mas em grandes mesas, como em um mercado antigo. Ao tocá-los, simplesmente, o visitante ativa conteúdos interativos que aparecem em displays espelhados suspensos do teto.

 

Também exploramos como uma compreensão melhor das origens e dos processos por trás de cada produto poderia promover novas relações entre consumidores e produtores. Com as grandes oportunidades de compartilhamento possibilitados pela internet, por que não pensar no supermercado como um lugar de troca livre, aberta a todos? De acordo com a tradição das cooperativas italianas de alimentos, algumas áreas do FFD são dedicadas a microprodutores como a associação Cesarine, formada por donas de casa cujo objetivo é "proteger e difundir o patrimônio de conhecimento, tradição e cultura oculto nas milhares de receitas de nossa culinária regional". É uma espécie de compartilhamento de produtos no estilo AirBNB, em que todos podem ser tanto produtores como consumidores.

 

Alguns aspectos daquilo que estamos fazendo terão mais sucesso do que outros -- estamos descobrindo isso agora e ao longo dos seis meses de duração da Feira Mundial. Mas isso é exatamente o que nos interessa: aproveitar um evento global para fazer um experimento que envolve milhares de pessoas, um teste a partir do qual poderemos todos aprender importantes lições, algumas das quais poderão mais adiante ser levadas ao mundo real. Alan Kay costumava dizer que a melhor forma de prever o futuro é inventando um. Se isso é verdade, então é essencial que todos possamos contribuir para esse esforço, construindo um futuro que pertence a todos nós.

 

O Supermercado Coop, instalado no Future Food District, foi desenhado pelo escritório Carlo Ratti Associati e inaugurado no começo de maio. A relação entre o design e o futuro esteve no centro de uma retrospectiva do estúdio exibida no Spazio FMG em Milão (Itália) entre 13 de abril e 29 de maio. Os temas relacionados à arquitetura e ao crowdsourcing são discutidos no mais recente livro de Carlo Ratti e Matthew Claudel, Open Source Architecture (Thames and Hudson, 2015).