ARTIGO | EDIFÍCIOS PÚBLICOS SUSTENTÁVEIS: OPÇÃO OU OBRIGAÇÃO ?

16/12/2019
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EDIFÍCIOS PÚBLICOS SUSTENTÁVEIS: OPÇÃO OU OBRIGAÇÃO ?
Eng° Silvio Barros – Ex-prefeito de Maringá

 

O tema da sustentabilidade, embora ainda pouco compreendido na dimensão pessoal e individual, vem sendo objeto de atenção e debate cada vez maiores na sociedade brasileira.

 

O Brasil é signatário do Programa Advancing Net Zero da Agenda 2030 e do Acordo de Paris da ONU, que estabelecem que todas as novas edificações e grandes reformas se tornem Net Zero a partir de 2030.

 

Os governos federal, estaduais e municipais estão precisando reduzir despesas de custeio para fechar as contas.

 

Nesse cenário, começam a aparecer com mais frequência nos últimos anos estudos, pesquisas, tecnologias e cases concretos na construção civil que comprovam a viabilidade e os benefícios de um redirecionamento das edificações para padrões mais ousados de sustentabilidade.

 

Instituições comprometidas com esta causa se dedicam a estabelecer critérios para certificação de novos edifícios e conseguem demonstrar a validade de sua aplicação tanto no aspecto ambiental como no econômico. Certificações como LEED, AQUA, PROCEL, SELO AZUL e agora mais recentemente a EDGE do Banco Mundial/IFC estão disponíveis para quem quer fazer melhor.

 

Recentemente a cidade de Curitiba foi objeto da atenção global nesse setor, quando o EUROBUSINESS, edifício comercial de grande porte, recebeu a primeira certificação LEED Zero Água do mundo, o que significa que o prédio tem tecnologia – proposta pela consultoria Petinelli – para alcançar a autossuficiência no consumo, armazenando água de chuva, tratando o esgoto internamente produzindo água de reuso e captando água potável. O Paraná é destaque quando o assunto é certificação LEED Platinum. A sede da construtora RAC, que utiliza a mesma tecnologia, foi a primeira sede corporativa autossuficiente em água e zero energia da América Latina, sendo também certificada LEED-NC Platinum com a maior pontuação na época.

 

Edifícios Zero Energia não são novidade. Um dos responsáveis pela quebra deste paradigma foi o Pearl River Tower em Guangzhou na China, com 71 andares, 310 metros de altura, 212 mil m² de construção e totalmente autossuficiente em energia. Na ótica do governo chinês, se isso é possível em edifícios privados, por que não usar o poder de compra do Estado para tornar obrigatório em edifícios públicos?

 

Tive a oportunidade de visitar o Golden Gate 525, sede da empresa de saneamento e energia de San Francisco, na Califórnia. Exatamente por ser uma instituição pública responsável pela água, esgoto e energia da cidade, decidiram mostrar na prática que é possível fazer num prédio eficiente e dar o exemplo. Com 13 andares no centro da cidade, graças a seu projeto de alta eficiência, o edifício consome 32% menos energia se comparado com prédios convencionais, gera 40% da energia com painéis solares e turbinas eólicas instaladas na fachada, trata todo o esgoto e consome 60% menos água. Enfim, a ideia aqui é o governo ter proatividade com relação à construção sustentável, servindo de referência para o mercado. Estudos da Universidade Harvard e da Fundação Getúlio Vargas sobre a certificação LEED no mercado brasileiro concluíram que edifícios sustentáveis são um ótimo negócio, valem R$ 136,54/m2, contra R$ 98,41 dos não certificados, ficam menos tempo desocupados, com uma vacância 7% menor do que as construções normais, entre outras vantagens. Ora, se isso é verdade para o setor privado, por que não seria para o setor público?

 

Agora, novos paradigmas estão sendo quebrados também no Brasil quanto a prédios públicos sustentáveis. O primeiro equipamento público a atingir certificação LEED Platinum foi a Creche Hassis em Florianópolis, totalmente autossuficiente em energia e que tendo demonstrado sua efetividade incentivou a prefeitura a transformar mais 16 estabelecimentos de ensino municipais em Zero Energia. No Paraná, o governo do estado, em parceria com o GBC Green Building Council Brasil, lançou o desafio de fazer a mesma coisa em um projeto piloto que inclui 180 escolas, já deixando claro que o objetivo é tornar todas as escolas municipais e estaduais autossuficientes.

 

Partindo do princípio que edifícios públicos serão mantidos com recursos do erário durante toda sua vida útil e que, do custo total de sua operação ao longo deste tempo, pouco mais de 15% correspondem ao investimento na construção do prédio, seria absolutamente lógico que todas as obras feitas com recursos públicos deveriam ter os mais elevados níveis de sustentabilidade. Enquanto prefeito de Maringá, em 2011 determinei que só licitaríamos a partir de então projetos passiveis de certificação. No entanto, minha equipe técnica e jurídica, depois de análises e consultas concluiu que os editais seriam impugnados pois, no entendimento dos órgãos de controle – TCE e Ministério Público – estaríamos cerceando a competitividade, uma vez que pouquíssimos escritórios de arquitetura na época estavam qualificados para participar dos certames, e ainda teríamos problemas complexos no processo de julgamento para definir comparativamente à qual das certificações corresponderia a melhor pontuação, já que não poderíamos apontar em edital um sistema específico.

 

Hoje esses problemas parecem estar superados e instituições públicas como universidades, Sanepar, Correios, Receita Federal, Exército e Sistema S têm lançado com frequência editais incluindo certificação LEED em seus novos projetos.

 

O governador do Espírito Santo acaba de assinar decreto que obriga captação de energia solar em novas edificações estaduais. É um marco na política pública de ampliação da energia fotovoltaica no estado. Todos os prédios a serem construídos deverão ter a estrutura necessária para a instalação de sistema fotovoltaico.

 

Diante disso, fica aqui a pergunta: se tudo isso pode ser tecnicamente e economicamente comprovado, então os órgãos de controle, responsáveis pela eficiente aplicação dos recursos públicos, devem considerar a certificação para sustentabilidade dos novos edifícios públicos como uma opção ou como obrigação?