Por que as leis para alugar imóveis no Brasil prejudicam os pobres?

por Mauro Rodrigues
30/08/2017
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As cenas da crise financeira nos Estados Unidos ainda estão bem vivas na lembrança de muita gente. Por lá, diversas pessoas financiaram a compra de suas casas usando o próprio imóvel como garantia (colateral). O estouro da bolha no setor, aliado à subida das taxas de juros, fez com que esses indivíduos deixassem de honrar os compromissos associados às dívidas.

 

Os credores então executaram as dívidas, tomando o colateral para si. As pessoas, assim, perderam suas casas, e foram parar no olho da rua.

 

Podemos observar algo similar quando um inquilino deixa de pagar o aluguel do imóvel em que reside. O proprietário aciona a justiça e tende a conseguir rapidamente uma resolução que permite colocar o morador para fora.

 

Muitas vezes isso ocorre porque o morador recebeu um choque negativo, como a perda de emprego, e não consegue mais pagar o aluguel. A pessoa fica sem emprego e sem casa.

 

Aqui no Brasil o quadro é bem diferente. É muito mais difícil despejar um inquilino por falta de pagamento de aluguel. A lei requer uma série de condições para tal. Além disso, a justiça é muito mais lenta e ineficiente por aqui, o que dificulta a vida de quem pleiteia uma ação de despejo.

 

Em outras palavras, a legislação brasileira provê mais proteção ao inquilino. Situações como a descrita acima, em que o indivíduo é demitido e não consegue mais pagar o aluguel, não necessariamente significarão o despejo. Mas isso traz uma série de custos também, pois mexe com os incentivos de quem coloca seu imóvel para alugar.

 

Ao decidir se oferta seu imóvel nesse mercado, o proprietário pesa os custos e benefícios dessa ação. Em particular, o benefício advém dos aluguéis a serem recebidos durante a vigência do contrato. Se há uma boa chance de que os pagamentos não serão feitos (e o locador não terá muito como se defender nessa eventualidade), o benefício esperado de colocar o imóvel para alugar é baixo. Isso significa que menos gente estará disposta a ofertar imóveis. Além disso, os proprietários que permanecem no mercado passam a requerer preços mais elevados para compensar o risco.

 

Resultado: menos imóveis e aluguel mais alto. Muitas pessoas, especialmente as mais pobres, podem ser excluídas desse mercado.

 

Para mitigar esse problema, os proprietários de imóveis podem pedir garantias aos prospectivos inquilinos, como a presença de um fiador, a realização de depósitos caução ou o pagamento de seguro-fiança. Há ainda uma burocracia pesada associada ao processo: como o proprietário não sabe se o locador será um bom pagador, requer uma quantidade incomensurável de informações antes de fechar o contrato. Isso torna a negociação custosa tanto em termos de dinheiro como de tempo. Muitas vezes, quem precisa de um novo imóvel não pode esperar.

 

Novamente prejudica-se sobretudo a parte menos favorecida na população. Para as pessoas mais pobres, encontrar um fiador ou pagar vários meses na forma de caução é bastante difícil.

 

Diversas dessas pessoas precisam recorrer ao mercado informal, provavelmente mudando-se para moradias precárias. À margem da lei, o locatário não tem muitos direitos, como condições mínimas de segurança.

 

Em outras palavras, a proteção relativamente elevada ao locatário na legislação brasileira tem efeitos colaterais, ao dificultar o desenvolvimento do mercado de alugueis. Isso acaba punindo principalmente a parcela mais pobre da população, que tende a ficar de fora do mercado formal de aluguéis.

 

Texto originalmente publicado no blog do Por Quê?