Assemble, a força criativa de um coletivo de arquitetos londrinos

13/01/2016
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Por Laura Greenhalgh

Resgate de lugares deteriorados. Arquitetura transitória, com vistas a permanecer. Participação comunitária, sempre. Compromisso de criar espaços públicos bonitos, vibrantes e acolhedores. Com este receituário o coletivo de arquitetos ingleses Assemble conquistou o Turner Prize de 2015. Reconhecimento pelo conjunto da obra, mas, em particular, pelo projeto em curso na cidade de Liverpool, o Granby Four Streets.

Instituído em 1984, o Turner Prize é organizado pela Tate Britain e sempre se destina a um nome de destaque nas artes visuais -- desde que com idade inferior a 50 anos. No final do ano passado o júri do Turner inovou ao destinar o prêmio – aproximadamente R$ 240 mil, em valores atuais – a um coletivo de 18 jovens arquitetos, baseado em Londres e já com um currículo de bons projetos realizados. Nunca o Turner havia quebrado o compromisso de destacar artistas plásticos e visuais— por exemplo, Damien Hirst e Yoko Ono estão entre os seus agraciados.

Há alguns anos o Assemble vem chamando atenção pela linha de trabalho que combina boa arquitetura a estratégias criativas de revitalização urbana, com envolvimento da comunidade. O projeto pelo qual o coletivo foi premiado segue exatamente essa linha. Trata-se de intervenção numa área conhecida como Granby Triangle, em Liverpool, endereço nobre no passado, com suas casinhas vitorianas organizadas em alamedas bem planejadas.

Eram os bons tempos. Além da arquitetura elegante, Granby tinha comércio dinâmico, lojas, escritórios e até um cinema concorrido. No pós-guerra, as casas vitorianas começaram a ser demolidas, para dar lugar a uma arquitetura moderna que desfiguraria a região. Nos anos 70, o desemprego abalou profundamente o lugar. E a decadência econômica continuou na década seguinte, criando um círculo vicioso: quanto mais lojas, escritórios e consultórios fechavam, mais as pessoas deixavam o lugar, mais as casas ficavam vazias e deterioradas, mais o bairro inteiro decaía, daí mais as pessoas abandonavam seus imóveis, e assim por diante.

Esse círculo vicioso fez nascer, em 1993, a Granby Residents Association, com o propósito de estancar as demolições dos quarteirões vitorianos.  Todas foram canceladas numa área que engloba quatro grandes ruas, no entanto, não houve interessados em investir na reforma das casas. Daí, novas ameaças voltaram a rondar o pedaço.  Até que, em 1990, um grupo de moradores decidiu enfrentar a situação plantando árvores e fincando grandes floreiras diante das casas ameaçadas, especialmente as da Cairns Street.

COMEÇO DA VIRADA

Em 2011-12, uma nova administração pública decretou o fim das demolições, atraindo empresas para investir no local. Os moradores, mais confiantes, lançaram uma campanha para arrecadar fundos para a reforma das casas vitorianas em quatro ruas. Foi esse movimento de cidadania que levou à formação do Granby Four Streets Community Land Trust, que logo abriria um concurso público para arquitetos, designers e urbanistas, para a captação de projetos inovadores.

Assim o coletivo Assemble entra na história. “Nós nos aproximamos de todos os empreendedores cujas propostas de revitalização urbana haviam sido selecionadas para Granby.  E praticamente nos oferecemos para trabalhar com eles, desde que pudessem abrigar algumas ideias nossas e mantivessem o compromisso de envolver a comunidade no processo de transformação”, explicam os membros do coletivo. Em dezembro de 2014, o Assemble anunciou o início do processo de restauração de dez casas vitorianas, com apoio de empresas, associações de moradia e da própria administração pública. Um projeto-piloto que deve ser aplicado não só em Liverpool, mas em outras cidades inglesas. 

Segundo o projeto, as dez casas de Granby estão sendo redivididas e reequipadas internamente para dar origem a apartamentos de 2 quartos, com dimensões bastante confortáveis (preocupação em respeitar a dimensão dos espaços internos das antigas casas)  e arquitetura de qualidade. Os imóveis retrofitados serão colocados à venda em regime de propriedade compartilhada ou reservados para aluguel social. Agora o projeto tenta animar antigos moradores da região a se alistarem como interessados prioritários, numa tentativa de recuperar a memória do lugar. A ideia é que voltem a morar onde se sentiram 'expulsos'.

O Assemble também abriu um curso de treinamento e capacitação de jovens moradores, entre 18 e 24 anos, para que aprendam técnicas construtivas e restauradoras, transformando-se em agentes multiplicadores no processo de recuperação de toda a área.

'GREENING GRANBY'

Por determinação da comunidade local, o projeto continuará a plantar árvores e formar jardins públicos. Também segue na direção de recuperar o pequeno comércio entre as ruas Cairns e Granby, além de incrementar um já famoso mercado de rua, o Granby Market, com muitos produtos de fabricação local. O Granby Market é um sucesso de público há 4 anos.

O júri que premiou o Assemble destacou a capacidade do coletivo de, a partir de intervenções circunscritas, criar uma teia de relações que expande o projeto em seu efeito irradiador. Ao intervir nos baixos degradados de um viaduto londrino, o grupo criou um teatro, espaços de arte-educação, cinema e um café super badalado. O projeto chama-se Folly For a Flyover e é visitado por milhares de pessoas todas as semanas, com uma programação cultural vibrante, que hoje conta com a colaboração ultra profissional do Barbican Centre. Também na capital inglesa, o Assemble criou o Brutalist Playground, uma grande instalação feita com estruturas urbanas do pós-guerra, tiradas de jardins públicos de bairros londrinos. Estas estruturas foram revestidas com espuma de borracha e passaram a ter cores que agradam às crianças, além de uma textura de sorvete (icecream effect). 

É também de autoria do Assemble a exposição itinerante LINA BO BARDI:TOGETHER, que tem viajado por inúmeras cidades europeias, revendo a obra da arquiteta italiana que se radicou no Brasil.  Na exposição sobre Lina, os arquitetos criaram uma espaço flexível que abriga móveis, objetos, esculturas, desenhos e farto material audiovisual. Por fim, a mais recente boa notícia envolvendo o coletivo: o London Legacy Department vai transformar em permanentes as instalações temporárias feitas para o Folly For a Flyover. Também aqui o Assemble contou com os voluntários da vizinhança. Eles não só trabalham pelo Folly, como assumem o projeto como seu.

* Laura Greenhalgh é jornalista e integra a equipe do Arq.Futuro.