Não é de hoje que as águas urbanas são poluídas. Na Antiguidade Clássica, a cidade de Roma era abastecida por aquedutos que coletavam a água em fontes distantes da mancha urbana, enquanto o rio que passava no centro era poluído com lixo e esgoto. Essa estratégia de abastecimento e esgotamento foi reproduzida em diversas cidades do Império Romano, incluindo Paris, que no século IV já via as águas do rio Sena demasiado sujas para o consumo.
Na virada para o século XIX, com a industrialização provocando um grande aumento na população urbana de Paris, novas obras de abastecimento fizeram-se necessárias. Em 1802, Napoleão Bonaparte ordenou a escavação de mais de cem de quilômetros de canais que trariam água limpa de rios da região diretamente para o centro da cidade. Um trecho do Canal de Saint-Martin, dentro de Paris, foi escavado com maior largura, para funcionar como um porto de carga e descarga do comércio fluvial regional. Esse porto ganhou o nome de Bassin de La Villette.
Ainda no século XIX, com o adensamento de residências e indústrias no entorno do canal, que não foi acompanhado por um sistema de saneamento adequado, as águas do Saint Martin e da Bassin de La Villette tornaram-se impróprias para consumo e para banho – situação que se repetia nos rios de quase todas as grandes cidades do Ocidente. Foi só no final do século XX, com a consolidação da agenda ambiental, que as metrópoles e seus cidadãos mobilizaram-se de forma decisiva para que obras de saneamento e mudanças de comportamento levassem as águas urbanas a se tornarem limpas novamente.
No caso de Paris, o verão de 2017 é um importante marco a ser comemorado nesse processo: pela primeira vez depois de tantos anos, os habitantes de Paris podem se banhar em La Villette novamente. A prefeitura inaugurou, em 17 de julho, uma espécie de piscina pública na Bassin de La Villette, abastecida com a água do próprio canal, sem tratamento nem filtragem. Trata-se de uma estrutura flutuante com três piscinas de profundidades diferentes, rodeadas de decks de madeira e supervisionadas por salva-vidas.
As piscinas recebem até 300 banhistas por vez, enquanto o conjunto (incluindo os decks, vestiários e chuveiros) pode receber até 500 pessoas ao mesmo tempo. A entrada é gratuita e o equipamento faz parte de uma iniciativa anual chamada Paris Plages, em que áreas às margens dos rios e canais de Paris são equipadas com cadeiras, chuveiros e até tanques de areia para converterem-se em praias urbanas durante o verão.
Essa conquista é fruto de décadas de esforço. Desde os anos 1980, a prefeitura de Paris investiu maciçamente na fiscalização do esgoto que era despejado de forma irregular nos seus rios por residências e indústrias, aplicando multas aos infratores, expandindo o seu sistema de tratamento e monitorando a qualidade das águas urbanas. Há cerca de dois anos, as águas do Saint Martin alcançaram níveis suficientemente baixos de bactérias e de poluição para que banhistas pudessem nadar com segurança. Neste ano, finalmente, tornou-se realidade o que, por muito tempo, foi um sonho: nadar nas águas da sua cidade.
VOCÊ SABIA? Que em São Paulo há um córrego que era extremamente poluído e, após a execução de obras de saneamento, passou a ter água limpa, e ainda ganhou um parque linear em seu entorno? Não perca essa estória, na próxima newsletter do Vamos Limpar o Rio? !