Cidade: convívio, educação e cultura

13/03/2018
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O convívio que a cidade nos proporciona favorece o desenvolvimento da cultura da tolerância e do respeito ao outro. Na cidade exercitamos a liberdade e reconhecemos nossos limites.  Fato comum na América, a formação de cidades a partir de escolas revela uma relação estreita entre espaço urbano e educação.

 

Inventamos as cidades para produzir riquezas, materiais e espirituais. Sua vocação é coletiva, múltipla, pública e generosa. Contraditoriamente, a monocultura e a base escravagista de sustentação da sociedade colonial geraram um desenho urbano baseado na segregação e na violência. Continuamos reproduzindo, mesmo na sociedade industrial e democrática, a forma de ocupação do solo desenhada em lotes autônomos e isolados. Geramos espaços de privilégio e a ideia esquizofrênica de centro e periferia, como se os espaços tivessem uma idade, pertencessem apenas a uma época, e substituíssem uns aos outros, em vez de coexistirem.

 

As tecnologias estão consolidando novas formas de convívio e pertencimento, encurtando distâncias. Centro e periferia, interior e litoral, unem-se e convivem de maneira harmônica. Reagem quando convocados, no recinto da cidade, como uma inteligência coletiva, na direção das reflexões de Pierre Lévy.

 

Estudos recentes da neurociência e da psicologia social, como as pesquisas da psicóloga canadense Susan Pinker na Sardenha, revelam que o contato social é um imperativo biológico. O que a pesquisadora denomina “terceiro espaço”, aquele que não é a casa ou o trabalho, mas o local do convívio gentil, tem consequências físicas capazes de gerar uma vida mais longa, de até 30% na média. Os 14 anos de estudo de Pinker mostram que o contato social fortalece a imunidade e diminui a demência. Espaços públicos livres, sem nome, onde convívio e trocas afetivas se dão, são uma questão de vida, já que 75% da longevidade humana, segundo a pesquisadora, está condicionada a fatores culturais e apenas 25% aos genes.

 

Certamente nossas cidades não foram desenhadas com essa dimensão. Não favorecem o devaneio, o caminhar e o encontro. As razões históricas todos conhecemos.

 

Hoje possuímos saberes acumulados sobre desenho urbano e técnicas construtivas e ambientais suficientes para reverter essa rota de colisão de nossas metrópoles. Falta-nos vontade política sincera, associada a competência ética na gestão econômica pública. Somente com esses elementos desenharemos uma cidade digna, coletiva e múltipla. Teremos alegria e orgulho das nossas, e não precisaremos viajar para ver as belas cidades que os outros tiveram a capacidade de construir. Como na mitologia, sairemos do labirinto como Dédalo, abrindo um novo espaço.

 

O fazer do arquiteto nos séculos XIX e XX era essencialmente autoral e solitário. No século XXI, desenhos, teses e planos diretores não bastam. Discursos e debates não bastam. Se quisermos atuar com real valor nas mudanças de nossas cidades, teremos de nos apropriar deste novo paradigma coletivo e multidisciplinar.

 

Civilização e cidade são dois caracteres que compõem um ideograma único, cuja base de sustentação é a esperança. Por isso as cidades são construídas no tempo de uma civilização, não da gestão de um governo. Nelas os seres humanos se fixaram por afeto e sonho.

 

Em tempos de guerra e violência as destruímos. Nos de tolerância, as construímos. Por isso a cidade é por excelência o locus da paz. Sua fricção é o caminho; a harmonia e a felicidade, sua meta.

 

                                                                                                                  Ciro Pirondi é arquiteto e diretor da Escola da Cidade.