O premiado documentário Marcas da Água (Watermark), baseado na obra de um dos mais renomados fotógrafos canadenses, Edward Burtysky, e da cineasta Jennifer Baichwal, entra em cartaz em circuito comercial no Brasil a partir de quinta-feira, dia 19. Na véspera, quarta-feira, o Arq.Futuro e o Espaço Itaú de Cinema – Augusta promovem uma sessão gratuita de pré-estreia, seguida de debate sobre a crise hídrica. Leia a seguir entrevista com a cineasta Jennifer Baichwal, que conversou com o Arq.Futuro.
"Ed (o fotógrafo Edward Burtysky) foi contratado pela National Geographic para fazer uma série sobre a água na Califórnia, que tem um dos acordos mais complexos porque tem muito pouca água própria, a maioria vem de outros Estados. Nós queríamos trabalhar juntos depois do nosso filme sobre a documentação do Ed da revolução industrial na China- Manufactured Landscapes (2006, Paisagens Fabricadas, em tradução livre). O filme teve um impacto enorme em todo o mundo. Quando vimos suas fotografias de água na Califórnia, sabíamos que seria a colaboração perfeita. O projeto todo levaria 5 anos, com cerca de 3 anos só para o filme: um ano para pesquisas, um ano para as filmagens e mais um para a edição", conta Jennifer. Confira a entrevista na íntegra:
Como foi o processo de escolha dos locais?
Tivemos cerca de 50 ideias de histórias diferentes, que foram reduzidas a 15 ao longo desse ano de pesquisas. Sabíamos do nosso desejo de fazer um filme internacional, queríamos que as histórias fossem visualmente atraentes e queríamos que a noção de conexão com os temas fosse clara. Por exemplo, escolhemos Bangladesh para falar de água poluída. A água é contaminada na fabricação de sapatos, que, em sua maioria (90%), são exportados para Europa, EUA e Canadá. Estamos então conectados com essa água tóxica, embora poucos de nós terão a chance de testemunhar os curtumes pessoalmente. O Kumbh Mela (foto ao lado) foi um enorme desafio, com 30 milhões de pessoas no mesmo lugar no mesmo momento. Gravar na Barragem do Xiluodu (China) foi muito difícil, já que o acesso ao local era muito perigoso, com escadas verticais de mais de 180 metros de altura. Pensamos muito nas pessoas que trabalharam ali e nos desafios que enfrentavam diariamente.
Um dos aspectos que chamam a atenção no filme é a beleza impressionante das imagens, muitas delas feitas a partir de drones e de helicópteros não tripulados. Como foi a escolha desses equipamentos?
Sabíamos que precisávamos de elevação para compreender a água. Era preciso observar lá do alto. Dessa forma, fizemos tudo que pudemos para alcançar essas alturas: elevadores, escadas, drones, braços de lança e até mesmo helicópteros reais. Dedicamos uma enorme quantidade de esforços e de recursos nessas tomadas aéreas, que em seguida foram contrapostas e confrontadas com as histórias menores e mais íntimas das pessoas que vivem com a água ou a falta dela, de várias formas, no terreno.
Esse contraste entre abundância de água e seca é bastante vivo no filme, bem como o abuso de recursos pelo ser humano frente à água intocada na natureza e entre a água que nos molda e a água moldada por nós. Isso foi levado em conta na produção?
Queríamos desde o início ter iluminação por justaposição: ao colocar duas coisas juntas, cada uma lança um olhar sobre a outra. Dessa forma, temos secas e inundações, a água pura e água tóxica, religião e recreação… Isso foi intencional, uma vez que não queríamos ter muita narração no filme: queríamos que o espectador vivesse as situações em vez de ouvir o que deve pensar delas.
São Paulo e outras regiões do Brasil estão sofrendo com uma séria crise de água. Qual é a mensagem que você espera que as pessoas tirem ao assistir ao filme em um cenário como esse, em que há má gestão e falta de conscientização do uso da água?
O Canadá é um país de água doce abundante. Por isso, as pessoas tomam isso como certo. Queríamos que as pessoas pensassem de forma diferente na próxima vez em que abrissem uma torneira ou pulassem em um lago. Pessoas em regiões afetadas pela seca já estão cientes de como a água é preciosa. Mas o que todo mundo precisa entender é que o acesso a água fresca, limpa e gratuita é um direito humano básico. Não devemos perder isso de vista e temos de lutar para proteger o que temos e corrigir o que está danificado. A boa notícia é que a reabilitação de águas poluídas ou redirecionadas ainda é possível.
Como trabalhar no filme mudou sua perspectiva sobre a água e a forma como a usamos?
Nos tornamos muito mais conscientes sobre o nosso próprio uso da água. Nós três (ela, Edward e o produtor Nick de Pencier) fazemos uma série de trabalhos com a organização internacional Waterkeeper. Todos nós evitamos garrafas de água tanto quanto podemos! Não é uma mercadoria para ser vendida!
Entrevista | Jennifer Baichwal
16/03/2015