Entrevista: Jaime Lerner

'A cidade é o último refúgio da solidariedade', diz urbanista
22/08/2016
Compartilhar:

Na casa dos 70, Jaime Lerner é um otimista incurável. Três vezes prefeito de Curitiba e duas vezes governador do Paraná, Lerner está afastado da política há 15 anos. "Não tenho nada contra políticos, até tenho amigos que são [risos]", brinca. 

Premiado internacionalmente por suas iniciativas de inovação urbana, o urbanista é retratado no documentário Jaime Lerner: uma história de sonhos, dirigido pelo amigo Carlos Deiró, que estreia no dia 8 de setembro, no Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo. 

Na casa original que construiu no Cabral, Curitiba, na década de 1960, o arquiteto concedeu esta entrevista exclusiva ao Arq.Futuro. Famoso por propor soluções simples que transformaram Curitiba num modelo urbano, o urbanista defende propostas mais ousadas para melhorar as condições das cidades. "Inovou? Ótimo. Dá para inovar mais? Óbvio". 

Atualmente, Lerner anda "inventando" outros projetos. Nos últimos tempos, fez um peça de design (a Chaise Urca), estrelou um filme (o documentário) e agora está escrevendo um novo livro. "Quero escrever o que penso sobre cidade. Meu papel agora é propor ideias", diz.

Vamos partir daí? O que o sr. pensa sobre cidade?
As pessoas costumam ter visões pessimistas em relação às cidades. Há diagnósticos e mais diagnósticos sobre os problemas urbanos. Se você pensa tragédia, você encontra tragédia. Eu não sou um desses pessimistas. Eu prefiro investir energia em mudar tendências indesejáveis. Se você pensar diferente, você já está mais perto de uma alternativa. Gosto muito da frase de um pensador francês, René Dubos: tendência não é destino. Dá para mudar o destino das cidades.

E como uma cidade começa a transformação?
Uma ideia, uma proposta, um projeto. Tudo começa assim, afinal. Uma ideia pode partir da sociedade civil, ou da área técnica, ou da área política. Mas basta partir de uma área simples. Não dá pra resolver tudo ao mesmo tempo. E a gente não pode ter tanta prepotência pensando que pode resolver tudo. A gente aprende muita coisa no caminho. Aprendi, por exemplo, que cidade deve ser uma integração entre moradia, mobilidade, lazer, trabalho, tudo. Não adianta inventar adjetivos - cidades “inteligentes”, cidades “resilientes”. Ou a cidade faz cidade, ou não faz. Não adianta pensar moradia isoladamente - o “Minha Casa, Minha Vida” virou “meu fim de mundo”. Não adianta pensar mobilidade isoladamente, não é questão só de corredor, é de transporte integrado. Curitiba se tornou uma referência nesse contexto.

Mas o modelo de Curitiba ainda vale? Ou está esgotado?
Cidade é dinâmica, definitivamente. É preciso um compromisso constante com a inovação urbana. Inovou? Ótimo. Dá para inovar mais, melhorar mais? Óbvio. Há 15 anos estou afastado da política. Meu papel agora é propor ideias aqui e ali. Se fosse dar um conselho para os próximos prefeitos, diria para focarem em três eixos essenciais: sustentabilidade, mobilidade e diversidade. Esses pontos poderiam, sim, ser resolvidos nas cidades brasileiras. Mas as decisões políticas tendem a separar a economia de um lado, e a cidade de outro. Mas é nas cidades que a gente vive. A cidade é o último refúgio da solidariedade. Uma política que joga a população mais pobre para cada vez mais longe não é uma política inteligente. Devia ser o contrário: trazer gente para perto. Trazer os jovens para o centro, dar incentivo para cursinhos e universidades para ocupar o centro, garantir a integração. Sabe, às vezes soluções simples fazem uma diferença imensa. A gente precisa ensinar para uma criança o que é uma cidade. Se a criança entender o que é cidade, ela vai aprender o que é viver na cidade e vai respeitar a rua, o rio, o parque. Peço para meus netos desenharem cidades, para ver o que eles entendem como cidade. Mas há muitas crianças crescendo em estruturas super sofisticadas sem saber o que é viver em cidade. Cidade não é carro, condomínio, muro. Quantas crianças desenham a cidade assim?

Discutindo urbanismo, o sr. conheceu muitas cidades mundo afora. Qual é sua cidade preferida?
Conheci cidades maravilhosas, no interior da Itália, na fronteira da França, enfim, muitas cidades. E cidades de verdade, onde todo mundo vive junto. É diferente de Cidade do México ou de São Paulo, onde não dá nem para andar. Aliás, um conselho para o próximo prefeito paulistano: o carro não deve importar tanto, o carro não deve mandar tanto. São Paulo sempre foi vanguarda… Está na hora de ousar mais. Gosto do Rio e de Roma, mas minha cidade é Curitiba. Tenho orgulho das inovações que conseguimos fazer na cidade.

O sr. voltaria à política?
Não tenho arrependimento de nenhuma época, mas agora estou mais leve, mais feliz. Não tenho nada contra políticos, até tenho amigos que são [risos]. Mas não. Agora estou fazendo outras coisas, inventando outras coisas: uma cadeira [a Chaise Urca], um filme [o documentário], um livro. Gosto da vida. Tenho sorte porque consegui realizar muitos sonhos.

Qual é o sonho atual do sr.?
Viver. Quero mais.