Uma polifonia chamada Paulista

por Leonardo Brant
16/11/2017
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A metrópole é o lugar imaginado e diariamente construído por todos nós como ambiente perfeito para alcançar e consumar – ou apenas consumir – todos os desejos e utopias. Ela tem, ou deveria ter, tudo à mão. Em contrapartida, para aproveitá-la é preciso aprender a conviver com outras tribos, crenças, cores, culturas, modos de vida. A metrópole é o choque cotidiano de imaginários.

 

A avenida Paulista é a tradução histórica, urbana e antropológica da metrópole brasileira. Foi a primeira avenida do estado de São Paulo a ser asfaltada; é pioneira em termos de arquitetura e urbanismo. Destaca-se pela suntuosidade de seus palacetes e grandes edifícios.

 

A cidade polifônica descrita por Massimo Canevacci no início dos anos 1990 refletia o poder da metrópole comunicacional e apresentava São Paulo como território de interesse mundial. Hoje, podemos traduzir essa polifonia nos movimentos constantes da avenida Paulista.

 

Ela é a diversidade polifônica da metrópole. Nela tudo cabe — do banqueiro ao camelô, das instituições culturais aos artistas de rua. A Paulista ignora hierarquias. Cenário das transformações sociais, culturais e econômicas do país, ela respira dinamismo, democracia e participação. Ali acontecem movimentos de todos os tipos.

 

Os mais diferentes públicos passam diariamente pela avenida, que é palco de lutas e conquistas sociais. É o território livre dos embates ideológicos e culturais, o espaço da liberdade de expressão, o melhor exemplo de democracia em um país carente de instituições e esferas de convivência e participação.

 

A Paulista está no centro da discussão sobre o modelo cultural de educação e desenvolvimento econômico e social do país. Mais que isso: tornou-se reconhecida mundialmente por sua capacidade de projetar tendências relacionadas à participação, mobilidade, sustentabilidade e criatividade.

 

Sua Parada LGBT é uma das mais concorridas do mundo. Não por acaso foi escolhida pelas irmãs Wachowski, autoras de Matrix, para encenar o episódio de Sense8 em que um grande galã de Hollywood assumia para o mundo a sua homossexualidade. A Paulista tem o poder de tirar as pessoas do armário.

 

No livro A ascensão da classe criativa, Richard Florida aborda a inversão do fluxo migratório nos Estados Unidos nos anos 1990/2000. As fábricas deixaram de atrair a população em busca de emprego. Agora é a vez de as empresas procurarem lugares interessantes, inovadores, criativos, para se reinventarem. Isso só é possível graças à conjugação de alguns fatores, que o autor chama de “triplo T”: talento (boas escolas e um ambiente cultural ativo), tolerância (diversidade cultural e religiosa) e tecnologia (um bom parque tecnológico instalado, sem barreiras para o que há de mais avançado nessa área). A melhor tradução desse potencial no país atualmente é a avenida Paulista.

 

Iniciei uma jornada investigativa no primeiro dia de 2017. Com uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça, busco compor a miríade de personagens, locações e histórias que farão parte de #Paulista360, uma ópera-filme e documentário sobre o futuro das metrópoles.

 

Venho observando o intenso processo de transformação da avenida, que já foi cenário dos barões do café e da indústria, e ainda um dos mais importantes centros financeiros do mundo, em um potente corredor cultural – com certeza um dos maiores do mundo.

 

A recente inauguração da Japan House e do Instituto Moreira Salles e a iminente reabertura do Sesc engrossam um já intenso caldo cultural, que conta com Casa das Rosas, Itaú Cultural, Sesi/Fiesp, Masp, Instituto Cervantes, além da maior concentração de oferta privada de livrarias e  cinema autoral do país.

 

Mas as instituições não esgotam o fenômeno. A Paulista Aberta, movimento da sociedade civil articulada que culminou com o fechamento do acesso de carros e ônibus à avenida aos domingos e feriados, é o que melhor demonstra esse novo espírito. Artistas de rua invadem cada centímetro da avenida com sons e performances de todos os tipos e compõem uma resistência ativa e participativa à franca decadência dos sistemas político e econômico que vivemos hoje.

 

A avenida Paulista é alegria e irreverência. A tensão transformada em diálogo e convivência. Inaugurada em 8 de dezembro de 1891 em homenagem aos habitantes de São Paulo, ela já nasceu como ícone dessa evolução. Uma espécie de farol, de onde tudo se vê e tudo pode ser visto. A contradição e a celebração do Brasil.

 

O mundo está de olho na avenida Paulista e o #Paulista360, realizado em parceria com Arq.Futuro, quer apresentar sua complexidade, seus ensinamentos e suas contradições, para inspirar e repensar a vida urbana contemporânea.

 

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Leonardo Brant é cineasta, pesquisador cultural e criador da ópera-filme documental #Paulista360