Como a economia pode melhorar a vida nas cidades?

27/06/2017
Compartilhar:

O mundo vem passando por diversas transformações ao longo das últimas décadas. Uma das mais impressionantes é o crescimento das cidades. Em 1960, para se ter ideia, pouco mais de 30% da população mundial residia em áreas urbanas; em 2015, esse número já passa dos 50%. Aqui no Brasil, a fração de pessoas morando em cidades supera os 85%.

 

Essa tendência mundial só tende a se acentuar ao longo do tempo. Na China, por exemplo, que sofre um processo intenso de urbanização, as cidades ainda abrigam na casa de 55% da população do país.

 

Cidades têm tudo a ver com economia. Pessoas e empresas tomam decisões de onde se localizar levando em conta os custos e os benefícios envolvidos. Essas decisões afetam a qualidade do espaço urbano, modificando as escolhas de outros indivíduos e companhias. Políticas públicas alteram essas escolhas, podendo melhorar ou piorar o ambiente.

 

Por exemplo, uma nova estação de metrô. Ela mexe com todo o entorno, alterando preços dos imóveis e a fluidez do trânsito, atraindo determinados tipos de negócios e expulsando outros. Ao decidir em que lugar instalar a estação, políticos e gestores não podem ignorar os potenciais efeitos associados a essa política.

 

A teoria econômica pode ajudar nesse sentido, ao sugerir como o comportamento dos mais diferentes agentes se alterará e quais os possíveis efeitos disso.

 

Ao longo dos últimos anos, um novo ramo da economia se desenvolveu com o objetivo de estudar isso tudo: a economia urbana. Em linhas gerais, a expansão da cidade envolve o conflito de duas forças antagônicas: economias de escala e externalidades negativas.

 

Economias de escala implicam que um aumento na quantidade de insumos (trabalho, máquinas, equipamentos etc.) gera um aumento mais que proporcional na produção. Isso incentivaria as pessoas a se concentrarem no espaço, pois a renda gerada pela cidade pode crescer a um ritmo mais acelerado do que a da sua força de trabalho. Esse crescimento da renda atrairia mais trabalhadores e empresas, reforçando o ciclo virtuoso.

 

Quais os possíveis canais associados a essas economias de escala? Cidades contribuem para aproximar e integrar mercados. Isso permite que indivíduos se especializem, concentrando-se naquilo que fazem melhor.

 

Por exemplo, em uma metrópole é possível encontrar profissionais de saúde em áreas bastante específicas –ortopedistas que só tratam joelho, ou dentistas que só fazem tratamento de canal. Esse tipo de especialização não seria possível em uma área rural ou em uma cidade pequena, simplesmente porque não haveria demanda suficiente por tal tipo de profissional.

 

Nessa mesma linha, cidades maiores propiciam uma diversidade maior de serviços –por exemplo, restaurantes das mais diversas especialidades, peças de teatro e filmes para os mais variados gostos.

 

Tudo isso, além de elevar a produtividade da economia da cidade, torna a área urbana mais atrativa a outras pessoas, reforçando as economias de escala.

 

As economias de escala ainda podem se manifestar de outras formas. A cidade diminui as distâncias físicas entre as pessoas, o que facilita a transmissão de conhecimento. O número de patentes aprovadas em cidades em que há bastante aglomeração de pessoas, por sinal, tende a ser mais alto.

 

Adicionalmente, ao concentrar a atividade econômica no espaço, é possível atrair fornecedores e mão de obra especializada, que se ajustem mais às necessidades das empresas locais. Isso contribui para baixar custos e elevar a produtividade das empresas e da economia da cidade.

Entretanto, ainda que a expansão da área urbana traga todos esses benefícios associados à economia de escala, há claramente custos –as externalidades negativas, que mencionamos acima.

 

Quando tomamos uma decisão de consumo, levamos em conta os custos e benefícios envolvidos da nossa perspectiva. Mas muitas vezes isso não se restringe a nós, mas afeta outras pessoas. Por exemplo, quando decido me locomover na cidade usando um carro, levo em consideração o benefício da comodidade e rapidez, e custos como combustível, seguro, manutenção, juros do financiamento etc. Mas há custos que recaem sobre outras pessoas, como a poluição do ar gerada pelo veículo e a contribuição para tornar o trânsito mais pesado.

 

Ou seja, locomover-se com o carro é "barato" nesse caso, pois parte dos custos é compartilhada com vários outros moradores da cidade. O resultado é que o uso do carro se torna excessivo do ponto de vista social.

 

Decisões de produção também envolvem externalidades negativas. Empresas podem adotar tecnologias sujas por serem mais baratas do ponto de vista privado –ainda que socialmente elas sejam bem mais custosas.

 

Nas cidades, por causa da proximidade física, essas externalidades se exacerbam. É muito mais provável que a ação individual de uma pessoa ou empresa afete outras, já que vários indivíduos estão compartilhando um espaço comum. Além de trânsito e poluição do ar, há potenciais efeitos sobre poluição sonora, qualidade da água, crime etc.

 

A expansão das cidades ainda pode trazer um custo adicional: a segregação dos indivíduos de acordo com a renda. Muita gente quer morar em um bairro bem servido por parques e boas escolas, por exemplo. Como os espaços são escassos, isso pressiona os preços dos alugueis para cima nessa vizinhança, o que acaba "expulsando" as famílias pobres para bairros mais humildes, onde os serviços públicos são de pior qualidade.

 

No fim das contas, podemos acabar com vizinhanças só com indivíduos ricos, separadas de vizinhanças onde os pobres residem. E a desigualdade de renda acaba se refletindo em desigualdade no acesso à infraestrutura urbana (como parques, boas escolas, hospitais).

 

A qualidade de vida em um espaço urbano reflete o balanço entre as duas forças acima referidas: economias de escala e externalidades negativas. Quanto mais a balança pender para externalidades negativas, pior será a qualidade de vida em uma cidade. O desafio de gestores é desenhar políticas públicas que empurrem o pêndulo para o lado das economias de escala.

 

Essa não é uma tarefa fácil. Cidades tendem a ser heterogêneas. Mesmo dentro de um bairro podemos ver diferenças consideráveis. Cada vez mais temos acesso a informações bastante desagregadas, o que tem se convencionado chamar de "big data".

 

Censos populacionais informam a renda média de cada pedacinho de uma cidade. Imagens de satélite permitem inferir quão iluminado é um local (dando uma ideia de quão intensa é a atividade econômica). Fotos do Google Maps nos dizem onde estão os buracos nas ruas, como está a qualidade das calçadas, se os muros estão pichados etc.

 

Como o acesso a essas informações pode nos ajudar a entender, de maneira bem detalhada, as decisões de localização de moradores e negócios? E o comportamento de preços de imóveis, atividade criminal, poluição, trânsito, entre outros? Como isso poderia ajudar a tornar políticas públicas mais eficientes?

 

No dia 29/06/18 buscamos algumas dessas respostas no primeiro Ciclo de Economia Urbana. O evento foi realizado pelo "Por Quê? Economês em bom português", pelo Arq.Futuro e pelo Insper. Debateram Edward Glaeser, professor de Harvard e autor do livro "O Triunfo da Cidade"; e Danilo Igliori, professor de economia da FEA/USP e chairman da DataZAP. A mediação ficou por conta de Priscila Borin Claro, da Cátedra Economia e Meio Ambiente do Insper.
 

Texto originalmente publicado na coluna semanal do Por Quê? na Folha

 

Ciclo Economia Urbana