Notas para um novo paradigma de desenvolvimento | Parte 1

Parodiando Milan Kundera: a fraqueza de São Paulo é sua força econômica (ainda existente)
28/09/2015
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Por Lídia Goldenstein e Stela Goldenstein

Este artigo, com foco no Estado de São Paulo e nos municípios da região metropolitana de São Paulo, mostra como ambos vêm perdendo espaço na economia, em larga medida pelo mau desempenho de seus setores manufatureiros. A economia nacional também sofre, não apenas porque o Estado e a cidade ainda respondem por parcela importante do PIB do Brasil, mas porque a decadência industrial se repete na escala nacional, já que os demais Estados são menos industrializados e o agronegócio, que vem crescendo, responde pelo maior dinamismo de regiões como o Norte e o Centro-Oeste. Outro elemento importante no conjunto da economia é a forte expansão do setor de serviços, mas, infelizmente, dominado por atividades não modernas, de baixo conteúdo criativo e tecnológico, que mostra robusto crescimento do emprego, mas de mão de obra de baixa qualificação e baixa produtividade.

Propomos um novo paradigma de desenvolvimento para o Estado e sua capital, que também poderia se estender pelo Brasil, fundamentado no mais moderno modelo que existe em outros países em termos de integração das atividades manufatureiras com as de serviços, criatividade, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, marcas e outros elementos que marcam a modernidade econômica dos países desenvolvidos. Impõe-se, para tanto, a adoção de novas práticas de formulação e de execução de políticas públicas, numa visão globalizada da modernidade. Esse é o grande desafio.

Apesar de ainda ser a região economicamente mais importante, responsável por 32,6% do PIB do país e por 58,8% do PIB na região Sudeste, o Estado de São Paulo perde paulatinamente sua participação no PIB nacional, especialmente no PIB industrial. Entre 2001 e 2011 foi o Estado que teve maior redução na participação no PIB industrial, chegando a 29,8%, com uma queda de 7,7 pontos percentuais no período. A cidade de São Paulo contribui para esse mau desempenho, com uma queda na participação no PIB nacional de 15,7% para 11,5% entre 1999 e 2011. Também na capital paulista, o encolhimento do setor industrial é o grande responsável por essa queda, de 25,5% para 18,1% entre 1999 e 2012. No âmbito estadual, as atividades industriais da capital reduziram sua participação de 32,5% para 25,5% no mesmo período. E, na economia nacional, a indústria paulistana viu sua participação declinar de 13,3% para 7,6%.

Cidade e Estado conservam importante base industrial, mas sob o risco de definhar. A situação fica mais preocupante quando analisamos profundamente a situação do setor de serviços, que ocupa um espaço crescente. Segundo os últimos dados disponíveis, de 2011, o setor de serviços na região metropolitana de São Paulo já ocupava 44,7% da mão de obra total (34,4% em 1995) enquanto a indústria empregava apenas 16,6% (26% em 1995). Alguns analistas consideram positivo que o setor de serviços tenha uma participação equivalente à que ocupa em economias desenvolvidas. Entretanto, a preponderância crescente desse setor é preocupante não pelo tamanho, mas pela qualidade de seu perfil e pela reduzida capacidade de dinamismo dos subsetores que o integram.

Nos países desenvolvidos, o setor de serviços ocupa, de fato, um espaço cada vez mais relevante. Mas trata-se de um padrão de serviços bastante distinto, pois nesses países vemos uma transformação radical de suas estruturas produtivas, com as fronteiras convencionais entre serviços e manufatura se esfumaçando, tornando obsoleta a divisão entre ambos. Assiste-se a um processo de integração no qual competitividade e desempenho das empresas são determinados pelos seus investimentos em ativos baseados no conhecimento, ativos intangíveis tais como P&D (pesquisa e desenvolvimento), design, marcas, software, capital humano e organizacional. 

Nas economias modernas, desde os anos 80 os investimentos das manufaturas em ativos físicos (construções e máquinas) caem como proporção do PIB, enquanto investimentos em serviços e ativos intangíveis crescem. Empresas de sucesso, uma Apple, por exemplo, são manufaturas e empresas de serviços (TI, design, varejo) – e é impossível pensá-las fora dessa multipolaridade intrínseca. Falamos de um mundo onde a revolução tecnológica e a intensificação do processo de globalização impuseram uma radical mudança nas formas de produção, nos determinantes para a geração de valor e para a competitividade das economias. Essas transformações deram margem a uma nova geografia econômica internacional.

Infelizmente, no Brasil, os serviços que mais crescem são os que utilizam mão de obra barata, com baixa instrução, que contribui minimamente para a competitividade da economia. Assim, não cabe supor que essa atividade possa ter capacidade de, por si, alavancar a atividade econômica, ou mesmo substituir os empregos perdidos com a desindustrialização. O Estado de São Paulo e sua região metropolitana estão perdendo capacidade de gerar renda, emprego e riqueza. A redução da atividade fabril não está sendo compensada por substitutos dinâmicos à altura.

As questões que estão na origem desse fenômeno precisam ser investigadas. A guerra fiscal entre os Estados da federação, os elevados custos de logística na região metropolitana, os preços dos terrenos e aluguéis no município e o encarecimento da mão de obra são problemas reais, mas, é preciso que se diga, são apenas parte da explicação para o encolhimento e a perda de dinamismo das economias paulista e paulistana.

Quanto à transferência de parte do parque industrial para outros Estados do país, contribui para isso também o aumento do poder de consumo em outras regiões onde até recentemente o poder aquisitivo era impeditivo ao desenvolvimento de uma indústria local. Outro fator importante é a transferência para os países asiáticos, cuja presença nas importações brasileiras explodiu, de parte importante de nossa capacidade de atendimento ao aumento recente da demanda por bens de consumo.

As dificuldades da economia brasileira são conhecidas: um crescimento intermitente, que avança um pouquinho alguns anos, mas não decola como o esperado, os custos trabalhistas, fiscais e logísticos, a insegurança jurídica, além da corrupção elevada a ponto de afetar a macroeconomia do país. Sabemos que tanto o câmbio quanto os juros elevados são fontes de custos e incertezas. A inconstância não facilita a geração de investimentos que exigem planejamento de médio e longo prazos.

Esse cenário não ajuda a estimular decisões de investimento e, além disso, absorve o debate entre autoridades, acadêmicos e empresários, que gira permanentemente em torno de como romper esses gargalos e superar essas dificuldades. E, em nenhum momento, as questões decorrentes das importantes mudanças estruturais mundo afora entram na discussão sobre os rumos das estratégias e das políticas públicas com a relevância que ainda é dada aos setores mais tradicionais de manufatura e de construção civil. Ao contrário, são frequentemente ignoradas ou, na melhor das hipóteses, consideradas secundárias. O debate nacional é dominado pela macroeconomia de curto prazo, na discussão sobre o “tripé” (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante), pensado como estratégia para estabilizar a economia. Infelizmente, essa estratégia não garante a retomada de um crescimento sustentado.

Depois de ter passado de uma economia agrícola para uma industrial e em pleno processo de se tornar uma economia predominantemente de serviços, vê-se que o Estado de São Paulo, sua capital e sua região metropolitana precisam se reinventar e “compensar” a transferência de seu parque manufatureiro para outros Estados e para a China. Isso só é possível com o fortalecimento da economia baseada na criatividade e no desenvolvimento de novas tecnologias.

As dificuldades para a definição de rumos mais ambiciosos e compatíveis com o cenário econômico globalizado não são menores. Energia, capacidade de gestão e recursos financeiros são gastos – quando o são – no sentido de buscar resolver os problemas regionais e urbanos que foram herdados do velho paradigma: saneamento básico, transporte público, iluminação, moradia popular, segurança, serviços básicos de saúde e de educação.

A compreensão equivocada das transformações que vêm ocorrendo no mundo levam muitos governantes a manter a ilusão de que, resolvidas essas questões e gargalos – seus passivos históricos –, a cidade e o Estado retomarão seu dinamismo econômico. É uma ilusão que paralisa novas iniciativas e consome energias, sem criar condições para a construção de um reposicionamento estratégico da economia, que garantam uma nova trajetória de crescimento, com geração de emprego, renda e ampliação da capacidade de arrecadação fiscal.

Os paradigmas do crescimento mudaram de tal forma que é preciso enfrentar os passivos históricos e, ao mesmo tempo, garantir condições para o surgimento de novos polos de dinamismo na economia. Sem setores que liderem uma nova fase de crescimento, a capacidade de arrecadação e de investimento dos governos declinará, assim como a capacidade de geração de novos empregos de maior qualificação. Essa é uma dinâmica que leva a uma provável espiral de descenso da economia da região, com a consolidação de um processo de simultânea desindustrialização e crescimento dos serviços de baixo valor agregado.

A grande novidade das duas últimas décadas é que há imenso campo de ação para que empresas e, principalmente governos, ajam no suporte e fomento às atividades de ponta, dando impulso ao desenvolvimento, à geração de empregos, renda e riqueza. Mas não é só a falta de uma liderança mais moderna e a compreensão equivocada do cenário internacional que está impossibilitando o avanço de políticas mais proativas. Empresas tropeçam por diferentes razões – burocracia, arrogância, cansaço dos executivos, planejamento pobre, horizontes de investimento de curto prazo, conhecimentos e recursos inadequados e falta de sorte. Será que o mesmo acontece com regiões e cidades?

Não é exagero afirmar que São Paulo sofre do “dilema do inovador”, algo atribuído a grandes empresas. A pujança da economia paulista, sua força e seu dinamismo, apesar de declinantes, ainda exercem um papel importante. Isso gera uma inércia que paralisa empresários, acadêmicos e autoridades públicas, confortáveis com o desempenho passado e pouco atentos aos novos desafios do presente. Parodiando Milan Kundera: a fraqueza de São Paulo é sua força econômica (ainda existente). O peso econômico e a força política de velhos setores comandam, em grande medida, decisões que pautam as mais diferentes gestões da cidade nas últimas décadas. São estratégias moldadas para a preservação de seu status quo, não para engendrar novos setores econômicos que poderiam dar novo fôlego à economia da região.