Boston, onde a juventude lidera a transformação urbana

Por Neal Peirce e Farley Peters, do Citiscope
07/10/2015
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O que aconteceria se você pegasse um milhão de dólares do orçamento de sua cidade e deixasse os jovens decidirem como gastá-lo?

É o que Boston está descobrindo. Num experimento pioneiro de orçamento participativo, os moradores de 12 a 25 anos foram convidados a propor e escolher ideias para o destino desse capital.

O processo é chamado de Youth Lead the Change (em tradução livre, a juventude lidera a mudança). Foi inaugurado em 2014 por Thomas Menino, o prefeito de Boston por 21 anos (entre 1993 e 2014), e teve continuidade com seu sucessor, Martin J. Walsh. O programa é coordenado pelo Departamento de Envolvimento e Emprego Juvenil e supervisionado pelo Conselho da Juventude formado por 26 comunidades e organizações da cidade. O esforço tem bastante popularidade – e pode se tornar um programa fixo na cidade.

Por que Boston está fazendo isso? Alcançar a juventude, observando seus pontos de vista e envolvendo-os nas questões municipais, foi uma parte significativa do legado do prefeito Menino. E o bastão agora passou para Walsh, diz Shari Davis, diretora executiva do departamento. O objetivo, diz ela, não é só ajudar os jovens a entender os departamentos da cidade, mas a "usar a cidade como uma sala de aula de engajamento cívico – deixando um jovem não só sonhar a cidade, mas dirigir o processo para chegar até ela".

Os jovens envolvidos estão animados. Como disse um estudante numa sessão na prefeitura: "O processo afeta o lugar onde eu moro. E, com o programa, tenho voz nas decisões. Eu ajudei a mudar minha cidade". Outro disse: "Agora eu sei, até certo ponto, como o governo trabalha – e quantos passos são necessários para construir algo".

Quais foram os projetos escolhidos pelos jovens? No topo da lista, reformas de parques e ginásios. Depois, ferramentas eletrônicas modernas, como laptops para estudantes do colegial, acesso a wi-fi em escolas e centros comunitários e estações para carregar seus celulares. Outros projetos incluíram câmeras de segurança, compartilhamento de bikes e muros para jovens artistas se expressarem.

O esforço de Boston se apoia em outras iniciativas internacionais que procuram dar aos cidadãos uma voz mais direta nas decisões sobre como seus impostos serão gastos. O movimento para orçamento participativo começou em Porto Alegre, em 1989, e desde então se expandiu para mais de 1.500 cidades mundo afora – Paris, por exemplo, convida os cidadãos anualmente a alocar 75 milhões de euros em uma grande variedade de projetos. Mas Boston se diferencia por focar especificamente a juventude. Em 2014, o programa recebeu reconhecimento como uma das 15 melhores inovações urbanas pelo prêmio Guangzhou International Award for Urban Innovation.

IDEIAS E REALIDADES

Ouvindo os administradores do projeto de Boston, fica imediatamente claro que o programa de orçamento participativo jovem vai além da seleção casual de alguns projetos de infraestrutura.

O processo começa com medidas para identificar projetos. Os jovens são convidados a propor ideias no site, nas mídias sociais e em conversações com os líderes de projetos. Depois, os organizadores promovem encontros de uma hora com grupos de jovens, com pizza e música, em que são discutidas as necessidades e possibilidades nos diferentes bairros.

O resultado: muitas ideias – cerca de 2 mil na última sessão. O próximo desafio é filtrar o número de projetos para 20, tarefa realizada por 40 jovens voluntários em reuniões semanais, discutindo a qualidade das ideias e o impacto potencial que elas teriam nas comunidades. No processo, eles também visitam os lugares, tiram fotos e analisam as estruturas que precisam ser melhoradas ou renovadas.

Aí vem a votação, um negócio sério. Apenas cidadãos entre 12 e 25 anos podem participar. As cédulas são amplamente distribuídas nas escolas e centros juvenis da cidade. Neste ano, um sistema de votação online foi implementado. Em 2014, 1.531 votos foram contados. Em 2015, a marca subiu para 2.597.

Parte do sucesso do programa é claramente simbólico – 1 milhão de dólares é apenas uma pequena fatia do orçamento de Boston, de 100 milhões de dólares. Mas o programa não é só sobre dinheiro. É sobre a cidade mostrar respeito e interesse pela população jovem. O programa foca, intencionalmente, o alcance social de uma cidade que, como muitas outras, precisa lidar com diferenças profundas de renda, língua e etnicidade.

Os organizadores dos projetos pretendiam incluir estudantes de cada escola da cidade – um objetivo ainda não alcançado. Eles também estão mirando estudantes que não falam inglês – uma série de vídeos foi iniciada para registrar o progresso dos projetos a partir do ponto de vista dos jovens, incluindo versões em línguas como o crioulo do Haiti e do Cabo Verde.

Francesco Tena, administrador do Conselho da Juventude da prefeitura, nota que o projeto foi desenhado para abranger estudantes mais desconectados, e não só aqueles que já sabem como dirigir os recursos da cidade. O primeiro ano, diz ele, focou predominantemente bairros negros e hispânicos. No segundo ano, o alvo foi expandido para atingir jovens que estão enfrentando processos judiciais, populações gays e lésbicas, desacompanhados, desabrigados ou residentes sem documentos.

Uma visita ao Paris Street Park e American Legion Playground, num bairro de trabalhadores de Boston, dá uma mostra vibrante dos resultados do programa. Com os 100 mil dólares dedicados a reformas, a área exibe agora o mais moderno e animado equipamento de playground, uma superfície macia com almofadas e dois pedidos especiais dos adolescentes – fontes para encher garrafas de água e para carregar celulares. No dia de nossa visita, o playground estava cheio de famílias, o que indica popularidade e forte aceitação da vizinhança.

Entretanto, outro projeto escolhido pelos jovens no histórico Franklin Park, ao lado do bairro de Dorchester, ainda não foi completado. A ideia era um novo parque com equipamentos para exercícios para todas as idades. Entretanto, arqueólogos indicaram que o lugar poderia abrigar evidências de uso humano datadas de 8 mil anos. A escavação não confirmou a teoria, mas os jovens foram expostos a uma realidade do planejamento da cidade: lugares específicos podem ter histórias profundas que merecem respeito; atrasos legítimos podem ocorrer; e progresso e usufruto do parque e seu playground pode acontecer só depois que a juventude que o escolheu tenha chegado à idade adulta.

Apesar dos impedimentos, estudantes que tiveram participação ativa no conceito e no planejamento comentaram entusiasticamente o programa, numa sessão na prefeitura. Jessica Hernandes, da Boston Latin School, disse: "Eu fiz parte do comitê que criou as regras do programa, como as idades permitidas para votar e a visão geral do orçamento participativo. Vivi em Boston minha vida toda. É realmente minha casa, um olhar do qual me orgulho. Ter a oportunidade de mudá-la para melhor e para futuras gerações é uma coisa que eu não poderia estimar. Esse processo é prova de que qualquer pessoa pode mudar sua comunidade, não importa a idade ou qualquer outra coisa que possa parecer um obstáculo".

Francesco Tena reconhece que, quando o programa foi anunciando, havia muito ceticismo. "O quê? Deixar as crianças gastarem 1 milhão?" Mas agora, ele diz, "estamos recebendo crédito, pois as pessoas veem que as coisas estão realmente sendo feitas com esse dinheiro". / (Tradução de Juliana Sayuri)

Boston e os projetos escolhidos do Youth Lead the Change de 2014
1. Franklin Park Playground & Picnic Area upgrade (400 mil dólares)
2. Boston "Art Walls": espaços públicos para artistas locais exibirem seus trabalhos (60 mil dólares)
3. Laptops para alunos do ensino médio de três áreas da cidade (90 mil dólares)
4. Estudo de viabilidade para um skatepark (50 mil dólares)
5. Câmeras de segurança para bairros ao redor do Loesch Family Park (105 mil dólares)
6. Paris Street Playground (100 mil dólares)
7. Renovação de calçadas e iluminação ao redor de dois parques da cidade (110 mil dólares)

Os projetos vencedores do orçamento participativo de 2015
1. Extensão Hubway: expansão do sistema de compartilhamento de bikes para mais bairros (101 mil dólares)
2. Wicked Free WiFi 2.0: expansão do acesso à internet em escolas e centros comunitários (119 mil dólares)
3. Water Bottle Refill Stations: fontes para encher garrafas de água em parques, reduzindo impacto ambiental (260 mil dólares)
4. Renovação do ginásio Boston Latin Academy (475 mil dólares)

Neal Peirce é fundador e editor-chefe do Citiscope.org. Farley Peters é editora do Citiscope.org. Eles integraram o comitê técnico do Guangzhou International Award for Urban Innovation que selecionou Boston e outros premiados.
* Artigo publicado originalmente no Citiscope.org, agência de notícias sem fins lucrativos que cobre inovações urbanas mundo afora.