Em outubro, o Vamos Limpar o Rio? foi acompanhar o Mutirão de Limpeza do Córrego do Sapé, na Zona Oeste de São Paulo. A atividade, coordenada pela Micro Rede do Sapé e com o apoio da prefeitura e da ONG SOS Mata Atlântica, envolveu alunos de escolas da região, voluntários e funcionários municipais, que percorreram toda a extensão do córrego recolhendo resíduos de seu leito e das margens, plantando mudas e testando a qualidade da água, combinando educação ambiental e recuperação do patrimônio natural.
A iniciativa do mutirão de limpeza começou em 2014, com o final das obras de urbanização da favela do Sapé, que teve início com a remoção temporária de cerca de 1400 famílias instaladas em áreas de alto risco nas margens do córrego ou mesmo em palafitas sobre o seu leito. As obras, capitaneadas pela superintendente municipal de habitação Elisabete França e pela coordenadora de projetos de habitação e urbanização de favelas Maria Tereza Diniz, foram aceleradas após enchentes que, na primeira década do século XXI, provocaram grandes perdas materiais e até mortes de moradores, em razão da velocidade e do volume que as águas do córrego adquirem durante as tempestades de verão. Além desse problema de drenagem, o córrego estava poluído por receber o esgoto da comunidade, de forma que foram executadas simultaneamente as obras de canalização e de saneamento, financiadas pelo programa Córrego Limpo e concebidas como parte do projeto urbano e arquitetônico de autoria de Marina Grinover e Catherine Otondo, do escritório Base Urbana, e Jorge Pessoa, do escritório Pessoa Arquitetos.
As famílias removidas passaram a receber auxílio-aluguel; iniciou-se, então, a demolição das casas e, em seguida, a construção de um tronco coletor de esgoto, a ligação de todo o bairro ao tronco coletor e a canalização do córrego, além da construção de conjuntos habitacionais que receberiam a população removida. Para conter o grande volume da água nas temporadas de chuva, o leito do córrego foi canalizado com muretas de contenção permeáveis de três metros de profundidade, e segregado das vias de circulação de pedestres por guarda-corpos vazados, que evitam quedas sem obstruir a visão. Ao longo do córrego, foram construídas uma ciclovia, calçadas largas e canteiros com árvores e jardins, compondo um parque linear de cerca de 15 metros de largura e quase 2 quilômetros de extensão, numa área em que, antes, não havia nenhum espaço público de qualidade. Diversas passarelas unem as duas margens, permitindo a circulação dos moradores e integrando a vida nas duas partes do bairro.
A história da comunidade do Sapé é similar à de várias outras em São Paulo. Em 1962, no bairro do Rio Pequeno, teve início a ocupação informal das margens do curso d’água, que não haviam sido loteadas por sua exposição a inundações sazonais. Nas suas águas limpas, os moradores lavavam roupas e várias espécies de peixes nadavam. Os primeiros moradores construíram ali casas simples e, como não havia sistema de coleta de esgoto, cavaram fossas artesanais. Com o tempo, mais e mais famílias se mudaram para lá e o córrego e suas margens passaram a receber cada vez mais resíduos.
Na década de 1980, as águas já estavam poluídas e o leito do rio, cheio de lixo e entulho, o que reduziu a sua capacidade de comportar a água da chuva, fazendo com que a região sofresse com inundações. A situação se agravou com o assoreamento do córrego, ou seja, o processo de acúmulo de sedimento em seu leito, que torna-o mais raso e propenso ao transbordamento. Esse processo é causado pela erosão: a camada superficial do solo se solta, como consequência da remoção da vegetação, e o solo solto é arrastado pela chuva para o curso d’água. Desmatamento causa erosão, que causa assoreamento, que causa inundação. E os mais prejudicados pela inundação são os moradores – os mesmos que desmataram a área para construir as suas casas.
Essa história é muito comum em São Paulo. São dezenas de áreas inadequadas para loteamento e edificação, por estarem sujeitas a enchentes ou deslizamentos, que acabam sendo ocupadas de forma irregular e ilegal, com enorme prejuízo para os próprios moradores, para o meio ambiente e para a cidade toda – o que ocorre, por exemplo, quando a ocupação resulta na poluição de represas cuja água é usada para consumo humano. Por isso, achar uma solução para a degradação das águas urbanas é fundamental – e é por isso que estamos contando a história de sucesso do córrego do Sapé.
Hoje, o córrego que recebia o esgoto de seis mil pessoas tem água limpa, e peixes voltaram a nadar nela. Os moradores, que se envergonhavam do aspecto degradado e do mau-cheiro do córrego, hoje vivem num bairro bonito, bem urbanizado, com bons espaços públicos. O esgoto da comunidade do Sapé, que antes acabava no rio Pinheiros, agora é tratado. Limpar os rios e córregos das cidades brasileiras e recuperar o seu entorno é possível, e não é tão complicado assim – só precisamos de vontade política. Então: vamos limpar o rio?
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