Entrevista | Carlo Ratti

Por Laura Greenhalgh
08/10/2014
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O engenheiro e arquiteto italiano Carlo Ratti participou do Arq.Futuro A Cidade e a Água, onde apresentou alguns dos principais projetos que desenvolve à frente do grupo de estudos urbanos SENSEable City Lab no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Na entrevista abaixo, concedida à diretora do Arq.Futuro, Laura Greenhalgh, Ratti fala sobre o papel do big data na formulação de uma infraestrutura mais inteligente e otimizada, que reage a dados sobre os fluxos da vida urbana e está em sintonia com as necessidades de seus cidadãos.

 

Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Ratti é engenheiro pela Politecnico di Torino (IT) e arquiteto pela Universidade de Cambridge. Seus trabalhos já foram expostos no MoMA de Nova York, na Bienal de Veneza e na Semana de Design de Milão. Na quinta-feira (09/10), Ratti participa do evento Cidades Inteligentes, promovido pelo Insper, no Auditório Steffi e Max Perlman, em São Paulo. Confira a programação completa aqui.

 

Sendo um especialista no tema, como você define uma cidade inteligente, já que o rótulo permite diferentes interpretações?

Preferimos chamá-las de SENSEable Cities – em vez de Cidades Inteligentes – soa mais humano. A ideia é de fácil explicação: o que está acontecendo em escala urbana hoje é semelhante ao que aconteceu há duas décadas nas corridas de Fórmula 1. Até aquele ponto, o sucesso no circuito foi creditado principalmente à mecânica de um carro e capacidades do condutor. Mas, então, a tecnologia de telemetria floresceu. O carro foi transformado em um computador monitorado em tempo real por milhares de sensores, tornando-se “inteligente” e mais apto a responder às condições da corrida. De um modo semelhante, durante a última década, tecnologias digitais começaram a tomar nossas cidades, formando a espinha dorsal de uma grande infraestrutura inteligente. A banda larga de fibra ótica e as redes de telefonia celular estão apoiando telefones celulares, smartphones e tablets, que são cada vez mais acessíveis aos cidadãos. Ao mesmo tempo, os bancos de dados abertos – especialmente os que pertencem a governos –, nos quais as pessoas adicionam informações, estão revelando todos os tipos de dados, e quiosques públicos e monitores estão ajudando as pessoas alfabetizadas e analfabetas a acessá-los. Adicione a essa estrutura uma rede crescente de sensores e tecnologias de controle digital, ligados por computadores baratos e poderosos, e podemos concluir que as nossas cidades estão se tornando rapidamente “computadores ao ar livre”.

 

Recuperando sua participação no 1 º Encontro Internacional sobre Cidades Inteligentes na África do Sul, logo surge uma pergunta: como é possível adaptar este conceito para áreas rurais e menos desenvolvidas?

Acredito que as tecnologias digitais podem ser um agente importante para o desenvolvimento mais rápido das áreas rurais. Sendo invisíveis e leves, não precisam de uma infraestrutura grande e imponente. A tecnologia já disponível na África, como a telecomunicação móvel – cuja utilização tem crescido exponencialmente na última década – pode ser integrada ao processo de urbanização na região. A África Subsaariana, por exemplo, precisa de uma forma colaborativa de desenvolvimento urbano. A expectativa de que a África tenha 127 milhões de usuários de smartphones em 2015 abre um leque de possibilidades para o surgimento de aplicativos que abordem os desafios logísticos dessas áreas urbanas, como sistemas de tráfego, gestão das águas e emissões de carbono. Ao permitir que as pessoas usem as redes sociais e construam aplicativos sobre questões urbanas, os problemas das cidades começarão a ganhar mais destaque. Todos podem contribuir de uma forma ou outra.

 

Você acredita que os dados em tempo real sobre gestão urbana serão o futuro de nossas cidades? Big data pode criar novos modelos para a administração pública?

Ao mapear cidades em tempo real podemos entender melhor o ambiente construído, e utilizar essas informações para desenvolver estratégias inovadoras para gerenciar o processo de urbanização e administração pública. Ter uma infraestrutura que responde a dados. Vamos falar de tráfego, por exemplo. O problema hoje não é de “capacidade”, mas de “picos”. A tecnologia pode nos ajudar a reduzir os picos. Este é, por exemplo, o foco do nosso trabalho em Singapura, onde temos um laboratório sobre um projeto chamado Futuro da Mobilidade Urbana. Estamos reunindo vários fluxos de dados digitais e dando aos cidadãos o acesso a eles através de uma série de visualizações dinâmicas. O projeto LIFE Singapura usa dados em tempo real gravadas pela miríade de dispositivos de comunicação, microcontroladores e sensores encontrados em nosso ambiente urbano para analisar o pulso da cidade, momento a momento. Os resultados sugerem novas maneiras de entender e otimizar a cidade e ajudar as pessoas a experimentá-la como nunca antes. Algo semelhante pode ser aplicado à administração pública, especialmente em relação a gestão.

 

Existe um risco de as cidades se tornarem superdigitalizadas?

Quando as tecnologias digitais nasceram, todos imaginavam que o mundo se tornaria virtual e as cidades finalmente iriam desaparecer. Ou apenas restos permaneceriam. Isso é o que você poderia chamar de um paleofuturo: uma visão distorcida do futuro que não se concretizou. Nós agora vivemos em um espaço híbrido, feito de bits e átomos; o mundo digital está, na verdade, convergindo para o mundo físico. Tecnologias não são o objetivo do trabalho do pesquisador, elas são apenas ferramentas para melhorar nosso estilo de vida. Não há risco de excesso de digitalização se nós sempre tivermos como foco o cidadão em vez da tecnologia.

 

Por último, mas não menos importante: como você vê a capacidade da sociedade civil com cidades inteligentes?

Nós acreditamos fortemente em uma abordagem de baixo para cima. Nesse sentido, dados urbanos podem oferecer ao cidadão informações que o ajudem a tomar melhores decisões ou até mesmo a ter um papel na mudança local, o que resultaria numa condição urbana mais humana para todos.