Gabriel Kozlowski | Notas sobre a Cidade do México

O efeito da repetição em massa de um único tipo de residência e a paisagem homogênea gerada são opressivos
20/08/2015
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Quando comecei a realizar uma pesquisa sobre a Cidade do México – antes de definir o tema de minha tese de mestrado do MIT (Framing Dispersal: Urban Strategies for Mexico City’s Sprawl) – me deparei com um texto de José Castilho que aconselhava quem fosse viajar à cidade a escolher um assento na janela do lado esquerdo da aeronave durante a ida e um à direita na volta. Assim seria possível ver a cidade de cima. Depois de alguns meses, quando minha pesquisa começou a tomar corpo, recebi uma bolsa para visitar a cidade, momento no qual percebi que aquele conselho fez toda a diferença.

 

 

Chegar à Cidade do México num dia claro é uma experiência impressionante. Pode-se ver a cidade enorme se estendendo infinitamente através da paisagem. É difícil reconhecer as bordas e limites, tanto da cidade com a paisagem circundante, como entre os próprios bairros. A um primeiro olhar o tecido urbano é homogêneo. À parte dos distritos financeiros, como ao longo da Avenida de la Reforma, a urbanização da cidade segue um padrão específico: construções de pouca densidade (edifícios de dois ou três andares somente) confinadas em uma malha urbana ortogonal.  Seu ritmo só é perturbado pelos grandes edifícios industriais à noroeste da cidade e pelas favelas que abraçam a metade inferior dos morros. O efeito dramático da extensão contínua da malha urbana é acentuado pela poluição que embaça o horizonte, escondendo os limites da cidade e fundindo o céu cinza com a superfície construída.

 

 

O propósito de viajar à Cidade do México foi me afastar da mesa de pesquisa e vivenciar o objeto que tão friamente vinha estudando. Através da leitura, escrita, coleta de dados, e desenho de mapas, é possível se tornar confiante de seu conhecimento sobre uma cidade ao ponto de parecer desnecessário visitá-la. No entanto, a presença da cidade é inegavelmente poderosa. Visitar uma cidade com o único propósito de entender como ela funciona é uma experiência de imersão que pode rapidamente mudar muitas preconcepções e suposições; a experiência adiciona uma granularidade de texturas, cores, sons, cheiros, e memórias aos mapas que antes eram somente papel e tinta (ou pixel), transformando qualquer leitura puramente analítica.

 

 

A Cidade do México cheira a óleo frito. Parece haver um quiosque de taco a cada duas esquinas – e esses são os melhores lugares para comer. Há uma constante tensão entre o formal e o informal, com os referidos quiosques representando um aspecto dessa informalidade. Enquanto o formal está relacionado à ordem e limpeza, assegurando lugares de alto nível convenientes ao turismo e à propagação de uma imagem específica da cidade, o informal é uma expressão cultural genuína que dá vida ao tédio desses locais. Essa informalidade é o bastante para mantê-lo constantemente atento ao entorno, mas não extrema o suficiente ao ponto de tornar a experiência desagradável. Essa condição adiciona uma camada de imprevisibilidade ao ambiente urbano, criando um terreno fértil para criatividade – como, por exemplo, a maneira como as pessoas montam seus quiosques temporários, carregam e vendem seus produtos e providenciam serviços especializados nas ruas – , além de ditar o ritmo da vida de seus habitantes.

 

 

Como brasileiro estou acostumado à essa coexistência entre formalidade e informalidade, contudo, nesse caso, ambos os lados parecem habitar polos extremos. Dependendo da região, a Cidade do México pode ser percebida como de primeiro mundo, com vários museus bem projetados abrigando coleções de valores inestimáveis, torres de vidro e parques bem mantidos, inclusive com wi-fi gratuito. Ou pode ser vista como o pior de uma cidade de terceiro mundo, com extrema pobreza, casas precárias e falta de infraestrutura básica. A Cidade do México que eu vivenciei reside entre os dois: durante a primeira parte da viagem fiquei no centro da cidade (referente ao primeiro caso), enquanto na segunda parte comecei a explorar a periferia até o limite da cidade (referente ao segundo caso).

 

 

Embora seja fácil identificar um centro na Cidade do México, devido à praça Zócalo, entender o que é periferia é um pouco mais complicado. No caso de uma definição geográfica, em relação à área construída, a periferia da cidade seria empurrada 30km para dentro do Estado do México. No entanto, se a periferia fosse definida considerando sua relação política com a administração da cidade, as áreas marginalizadas e periféricas formariam um anel grosso em volta do centro que representaria 80% da cidade. A periferia que eu estou interessado é a que teve início na década de 1960 e que é constituída por bairros inteiramente construídos por empreendimentos habitacionais subsidiados pelo governo, também conhecidos como conjuntos habitacionais unifamiliares.  Tais bairros são periféricos em ambos os sentidos mencionados: ao mesmo tempo em que são carentes de serviços básicos e politicamente excluídos das decisões da cidade, ocupam também os locais mais distantes e periurbanos.

 

Desde as suas primeiras implementações, os bairros constituídos inteiramente por conjuntos habitacionais se tornaram o principal modelo de urbanização para o crescimento da cidade. Esse modelo foi importado junto com as medidas neoliberais, na qual a individualidade é a característica mais importante de uma pessoa e possuir uma casa com um jardim privado e um carro, sua maior conquista. Nesse modelo, o conceito e o processo de urbanização é reduzido a um simples fornecimento de abrigo. Esses bairros são criados a partir da multiplicação incansável de um único tipo de moradia unifamiliar, sem infraestrutura básica adequada, desconectados das linhas de transporte de massa e carentes de espaços públicos e amenidades. São residências construídas em terrenos baratos localizados nos limites da área urbana e rural, geralmente fazendo fronteira com áreas de agricultura ou terrenos vazios.

 

 

Os dois exemplos mais interessantes desse tipo de bairro que eu pude visitar ficam a uma hora e meia da Zócalo. Em direção ao norte, peguei o Tren Suburbano até o bairro de Cuautitlán, e em direção ao sul, visitei San Buenaventura, um fraccionamento em Ixtapaluca. Sendo esse último o estudo de caso que utilizei na minha dissertação de mestrado.

 

 

O efeito da repetição em massa de um único tipo de residência e a paisagem homogênea gerada são opressivos. A impressão é a de que esses bairros não têm fim, com o padrão de residências apenas interrompido ocasionalmente por lotes vazios cobertos de vegetação. A busca por uma identidade, de forma a escapar da homogeneidade, vem através da diversidade de cores utilizadas e das precárias extensões construídas na frente ou atrás das casas por parte dos proprietários. Embora densamente construídos, os bairros de Cuautitlán e San Buenaventura são impressionantemente calmos – eu pude andar minutos sem encontrar quase ninguém. Na realidade, por conta da exclusão intencional de outros programas funcionais e usos nesses projetos, tais locais acabam se tornando cidades dormitórios. Como se estivéssemos revivendo um sonho moderno que falhou, dormir é, mais uma vez, uma atividade isolada e exercida nos subúrbios. Atualmente, 40% das unidades habitacionais nos referidos bairros estão vazias devido à falha em providenciar um estilo de vida contemporâneo à seus habitantes. Estilo de vida este imprescindível para a sobrevivência em uma metrópole como a Cidade do México.

 

 

Como resposta ao crescimento, é evidente que o modelo descrito não está funcionando adequadamente. Uma mudança de estratégia agora poderá significar em um futuro próximo uma grande reestruturação no papel da periferia em relação à cidade. Esses locais tem o potencial de se tornar componentes fundamentais em uma transformação de larga escala da Cidade do México. Por conta de suas condições de borda, tais bairros podem atuar como barreiras para o espraiamento urbano, absorvendo e impondo um limite físico ao crescimento da cidade; ou, como sementes de descentralização, se desenvolvendo como polos satélites de aglomeração. Independentemente da estratégia adotada, o mais importante é reconhecer a necessidade de se romper com o atual processo de urbanização e repensar o que o fornecimento de moradia deveria significar.

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