Artigo | Vincent Lee: Aprendendo com a infraestrutura verde

13/01/2016
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Por Vincent Lee

A adoção da infraestrutura verde pelas cidades vem se intensificando na última década. Tanto que, em outubro de 2014, a Casa Branca identificou-a como prioridade para se enfrentar a mudança climática num futuro próximo.

Novos empreendimentos estão encontrando caminhos para integrar esse tipo de infraestrutura ao chamado “ambiente construído”. Em San Francisco, nos Estados Unidos, a área de Bay Meadows já conta com um planejamento urbano no qual a água da chuva é incorporada à infraestrutura verde, através de um sistema de coleta e limpeza desses volumes -- o que possibilita mitigar impactos em áreas mais vulneráveis a enchentes, liberar terra para outros usos, garantir armazenamento hídrico para combate ao fogo e, além de tudo isso, contribuir para aumentar o prazer visual de usufruir a cidade.

Hoje cidades mais jovens estão se planejando para multiplicar suas áreas verdes, como forma de reduzir impactos ambientais e criar, de fato, espaço público. É o caso da New Sogdo City, na Coréia do Sul, planejada e construída num contexto urbano já com 40% de áreas verdes. Outras cidades desenvolvem planos ambiciosos. O Llanelli Green Infrastructure Project, no País de Gales, aposta em soluções de retrofitting para controlar enchentes, a partir de um design urbano sensível à presença da água.

Nova York mantém trajetória ambiciosa ao projetar investimentos da ordem de US$ 2,4 bilhões, nos próximos 20 anos, nesse setor. Atualmente a administração local planeja construir 7 mil “curbside gardens”, ou seja,  pequenos jardins de calçada que vão atuar como elementos de prevenção aos alagamentos e problemas do sistema de esgotos. Washington DC também implantou um programa de créditos à população, encorajando a retenção,o  tratamento e a reutilização dos volumes das chuvas, numa visão voltada para o ciclo natural da água.

O fato é que a infraestrutura verde rompe com o método tradicional de manejo hídrico ao procurar imitar a própria natureza na direção de um desenvolvimento de baixo impacto, que reduz enchentes, melhora a qualidade da água, facilita a drenagem, ao mesmo tempo em que traz benefícios diversos, como o embelezamento do entorno, o fortalecimento da noção cidadã de propriedade, a redução do calor e dos níveis do dióxido de carbono.

Não há dúvida de que a infraestrutura verde nos ajudará a criar cidades resilientes em relação aos fenômenos e processos relacionados à água. Mas, para construir abordagens consistentes, a Arup desenvolveu todo um pensamento estratégico, que chamamos Design with Water, no qual a água aparece no centro do design urbano:

“A Arup trabalha com temas críticos como resiliência, riscos de enchente, abastecimento e tratamento hídricos, reintegrando todo o ciclo da água no coração do planejamento e do design urbano. Em sintonia com essa visão, ações para reforçar o ciclo da água podem promover múltiplos e grandes benefícios”.

SEIS DIRETRIZES A CONSIDERAR

Diante das possibilidades que se abrem hoje, seja em projetos de retrofite, seja em projetos novos, de diferentes escalas e em diferentes partes do mundo, o que se vê é que finalmente a infraestrutura verde se converte numa prioridade, depois de décadas de evolução alavancada por algumas instituições e pesquisadores.

Para todos aqueles que se envolveram com esse campo, é possível dizer que chegamos a um tempo promissor tanto para o planejamento urbano, quanto para a engenharia. Antes, o desafio consistia em construir consensos, estabelecer parâmetros e tentar ter algum sucesso em projetos piloto. O desafio, hoje, é atuar em escala e ritmo suficientes para cuidar dos nossos cursos d´água, combatendo a mudança climática.

Como reforcei no recente workshop O Futuro da Água Urbana em São Paulo -- uma parceria entre a Arup, o Arq.Futuro e o Insper -- algumas cidades ainda se esforçam muito para implantar a infraestrutura verde. Cada cidade é um caso à parte e, por isso mesmo, a solução – bem como o processo que leva à solução – difere de lugar para lugar. Baseando-me na experiência com implantação de infraestruturas verdes e nas pesquisas realizadas pela Arup, penso que existem seis mecanismos para alcançar bons resultados nesse campo:

1. VISÃO ABRANGENTE
Projetos deveriam ser parte de uma visão estratégica maior para a cidade ou para uma região dela. Uma visão que identifique vantagens, oportunidades, riscos e vulnerabilidades, como fez o New York Green Infrastructure Plan, em 2010 – que por sua vez era parte do PlaNY, a visão estratégica de sustentabilidade para a metrópole.

2. COLABORAÇÃO
Cada vez mais a infraestrutura verde reúne diferentes disciplinas e interesses, o que facilita o trabalho colaborativo. De modo crucial, prioridades competitivas muitas vezes se complementam. Por exemplo, a infraestrutura verde pode se integrar a um plano que busque melhorar a situação do trânsito. Melbourne trabalhou colaborativamente com diferentes departamentos administrativos, agências de governo e com próprios os contribuintes, no desenvolvimento do seu WaterMark and Urban Forest Strategies.

3. EVIDÊNCIA
Você precisa de evidências para ter certeza de que está escolhendo as intervenções corretas para a sua cidade. E é importante compreender o valor dos recursos naturais disponíveis numa cidade, assim você poderá planejar melhor como desenvolvê-los. Para o programa  Llanelli Rainscape Green Infrastructure, do País de Gales, a seleção de três áreas de prioridade (Queen Mary´s Walk, Stebonheath School and Glevening Street) foi resultado de uma análise multifocal envolvendo indicadores variados, como a redução da superfície hídrica desses lugares, a busca de soluções para as enchentes, o custo de vida para a população, as construções e os níveis de liberação do carbono no ar.

4. FERRAMENTAS E DESIGN
Planejar é vital. Designers urbanos devem assegurar que a infraestrutura resulte de uma visão integral, em qualquer empreendimento, e que ela esteja ligada a um plano de trabalho para a cidade. Isso pode ser alcançado quando se adotam modelos e parâmetros precisos.

5. GERENCIAMENTO
O gerenciamento de projetos em infraestrutura verde precisa ser pensado, desde o início, em termos de parcerias muito bem estabelecidas. Como, por exemplo, especialistas em administração de bens públicos e especialistas em recursos naturais trabalhando, juntos, com a revitalização do mesmo parque. Essa aproximação vai assegurar a longevidade do projeto e possibilitar que as intervenções planejadas alcancem seu melhor potencial.

6. FINANCIAMENTO
Em muitos casos, autoridades locais bancam a estrutura verde. Porém, isso tem se tornado mais difícil, o que nos leva a trilhar caminhos inovadores para o suporte financeiro à implantação dos programas: recursos do setor privado, como em Melbourne, investimentos compartilhados entre setores da infraestrutura verde e cinza, como em Nova York, ou ainda através da venda de créditos para tratamento da água da chuva, como em Washington.
No workshop em São Paulo, ficou claro que os stakeholders envolvidos com o futuro da água na metrópole entendem as diretrizes de mudança e como a infraestrutura verde pode criar uma cidade resiliente. Vários mecanismos de implantação foram discutidos, mas também diferentes barreiras de execução foram identificadas, o que nos coloca um desafio significativo.

O ENVOLVIMENTO DA POPULAÇÃO

Um instrumento importante para o sucesso de projetos em infraestrutura verde é a participação comunitária. Se um stakeholder é capaz criar uma visão adequada sobre uma determinada situação, isso por si só pode conduzir a outras evidências ou a projetos de efeito demonstrativo, gerando o momentum (para a transformação) e o incentivo à colaboração. Tão logo você conquiste a colaboração, tenha certeza de que meios, financiamento e gerenciamento vão aparecer em seguida.

Para dar mais um exemplo, a infraestrutura verde no Hunters Point South Park, em Long Island, foi desenhada num tempo em que não havia um plano de infraestrutura verde para toda a região de Nova York, nem departamentos encarregados de estabelecer padrões e critérios nessa direção. Em vez de deixar passar essa boa ideia, procuramos torná-la evidente exatamente com a ajuda dos atores locais, o que por sua vez nos levou ao desenvolvimento de projetos piloto.  Esse processo participativo chamou a colaboração de outras agências, e assim fixamos padrões que facilitaram imensamente as discussões e os processos de revisão.

A estrutura verde no Hunters Point South é o exemplo de uma ideia que se tornou realidade, dentro de um projeto que atraiu capital e apoiadores. Outros projetos também têm sido criados a partir de uma boa ideia aliada à ação cidadã, como a Plus Pool (piscina gigante, flutuante e filtrante no East River, a ser aberta ao público em 2016) e o Lowline (parque que nascerá nos subterrâneos de um terminal de trem do Lower East Side, iluminado pela luz do sol captada e conduzida para ambiente underground).

Da minha experiência profissional na Arup, aprendi que há sempre um caminho possível para concretizar uma boa ideia. E o cidadão com uma boa ideia pode ser alguém muito poderoso.

* Vincent Lee, engenheiro civil, atua no Departamento de Infraestrutura Urbana da Arup em Nova York.